Folha de S. Paulo


Poemas de Frank O'Hara trazem a frágil euforia americana dos anos 1950

Luli Penna/Folhapress
Ilustração Marcelo Coelho de 26.jul.2017

Pode não ser o maior poeta do mundo, mas como é simpático! Com traduções de Beatriz Bastos e Paulo Henriques Britto, a editora Luna Parque publicou uma pequena antologia do americano Frank O'Hara (1926-1966), geralmente considerado um autor de versos informais, com ar de improvisação.

Como ele mesmo dizia, muitos de seus poemas seriam do tipo "faço isso, faço aquilo", como anotações de um caderninho que se leva no bolso. O título de seu livro póstumo, "Lunch Poems", fortalece tal impressão -eram textos que ele escrevia na hora do almoço, circulando por Nova York. Alguns dos 25 poemas de O'Hara traduzidos em "Meu Coração Está no Bolso" correspondem a esse modelo.

"São 12:20 em Nova York uma sexta", começa ele; "sim/estamos em 1959 e estou indo ao engraxate (...) como um hambúrguer tomo um leite maltado e compro/ um número feio da New World Writing para ver o que os poetas/ de Gana andam fazendo depois vou ao banco (...)"

E por aí vai. Os versos se quebram como se O' Hara estivesse sem fôlego, num corre-corre que estranhamente não é o de quem está apressado para entrar no trabalho, mas o de quem não tem muita coisa para fazer. Esse estilo ofegante e "desalinhado" lembra um pouco a euforia dos poetas modernistas com a variedade de experiências à disposição de quem passeia pelas grandes cidades.

Guillaume Apollinaire (1880-1918), em seu longo poema "Zone", tinha um pouco esse jeito de abolir a pontuação e de anotar a passagem dos operários e das "belas estenodatilógrafas" por uma rua parisiense, "situada entre a rua Aumont-Thiéville e a avenida des Ternes".

Mas o poeta de "Zone" não se restringe à capital da França; ele se perde pelo mundo todo, vai de Roma à China, como se levado por uma ventania. A experiência de Frank O'Hara –por mais cidades e autores estrangeiros que ele cite- tem algo de mais americano, mais local.

Suas referências a figuras atualmente arquiconhecidas da cultura europeia, como o compositor Erik Satie ou o poeta Mallarmé, acabaram conferindo aos textos algo de provinciano.

Poderia também ser esnobe, mas, como eu disse no começo, é muito simpático. Transcrevo integralmente o primeiro poema do livro. "Quando era menino eu/brincava sozinho num/canto do pátio da escola/ sem ninguém.// Odiava bonecas e/ odiava jogos, os bichos eram/ hostis e os pássaros/ fugiam.// Se alguém me procurava/ eu me escondia atrás de uma/ árvore e gritava: 'Sou/um órfão.'// E olha eu aqui, o/ centro de toda beleza!/ escrevendo estes versos!/ Imagina!"

Com muita arte, Paulo Henriques Britto optou pelo coloquialismo da segunda pessoa do singular nos verbos finais: "olha eu", "imagina!"

É como aquelas crianças que se veem diante de uma câmera de TV e acenam para a família. Frank O'Hara não cabe em si de tão contente nesse poema, e aqui se vê outra razão para o corte irregular de seus versos: a excitação do momento o impede de respirar regularmente.

Seria irônica essa alegria toda? Talvez. A crítica literária Marjorie Perloff se insurge contra a tendência de ver em Frank O' Hara um representante dos inícios de uma estética abertamente gay.

O poema que fala de sua ida ao banco às 12h20 em Nova York foi comparado por um comentador, de modo elogioso, à descrição do dia de compras de uma dondoca. Não, retruca Marjorie Perloff, dondocas não se comportam assim; há prenúncios trágicos naqueles versos.

O "deslumbramento" de O' Hara talvez seja outro. Em primeiro lugar, é a surpresa dos Estados Unidos no pós-guerra, descobrindo-se de fato como o centro do mundo, com tudo à disposição.

"Ah, cangurus, paetês, milk-shakes!/Que beleza! Pérolas, gaitas,/Jujubas, aspirinas! Todas essas/ coisas sobre as quais sempre se fala/ ainda fazem de um poema uma surpresa!", escreve O'Hara em "Hoje".

Mas no título do poema se esconde a ironia: isso é "hoje". Isso é um dia de abril ou maio. O poeta está no centro do mundo, e celebra a beleza das aspirinas e jujubas, mas não sabe até quando.

Sob a ameaça do conflito nuclear, é de forma cortante que ele termina o poema. Aqueles milk-shakes e paetês, diz, "são fortes como pedra". Não são, e ele sabe disso. Por isso vive com tanta pressa.


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