Folha de S. Paulo


Debate decisivo sobre chapa Dilma-Temer fica para quarta

O objetivo era andar rápido. Abrindo o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Herman Benjamin resumiu ao máximo, entre alguns engasgos e hesitações, o tempo de leitura de seu relatório.

Tratava-se apenas, na verdade, de atualizá-lo. Horas e horas tinham sido empregadas, em abril, na mesma tarefa.

Naquela ocasião, o plenário do TSE decidiu prolongar as investigações de abuso do poder econômico. Cumpria ouvir, por exemplo, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, os marqueteiros João Santana e Monica Moura, o ex-ministro Guido Mantega, envolvidos na Operação Lava Jato.

Para o Ministério Público, o testemunho desses personagens revelava fatos brutais. Na sua sustentação oral, o vice-procurador Nicolao Dino referiu-se a circunstâncias e irregularidades que se conhecem graças às investigações da Lava Jato.

Usando o famoso "Setor de Operações Estruturadas", a construtora Odebrecht destinou R$ 150 milhões para a chamada conta "pós-Itália", supostamente a cargo do então ministro da Fazenda Guido Mantega. Teriam partido de Dilma Rousseff as instruções para centralizar em Mantega a arrecadação de tais recursos.

Cerca de R$ 50 milhões, inicialmente destinados à campanha de 2010, terminaram sendo usados na eleição seguinte; representavam a gratidão da Odebrecht por uma medida provisória que aliviava sua situação na Receita Federal.

Por sua vez, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura admitiram ter recebido R$ 35 milhões da Odebrecht, via caixa 2, como parte da remuneração por seus serviços na campanha.

Não seria suficiente para caracterizar abuso de poder econômico?

Os advogados de Dilma Rousseff e Michel Temer tinham argumentos consideráveis contra essa interpretação.

O TSE não poderia tomar como provas, nesse processo, o que não passa de delação premiada nas ações da Lava Jato. No Supremo Tribunal Federal, a delação é ponto de partida para as investigações. Aqui, seria ponto de chegada?

Era essa a pergunta de Flávio Caetano, advogado de Dilma Rousseff. O ponto mais importante da defesa, contudo, era outro.

As eventuais irregularidades da Odebrecht não poderiam sequer ser incluídas no processo de cassação da chapa. Não foram mencionadas pelo PSDB no pedido feito contra Dilma e Temer, em fins de 2014 e no começo de 2015.

Naquele momento, contestava-se a eleição com base em mais de vinte pontos, muitos deles sem importância ""como as "mentiras deslavadas" sobre a diminuição da pobreza no Brasil, ainda agora lembradas pelo advogado do PSDB em sua sustentação oral.

Com relação direta a casos de corrupção, mencionavam-se no pedido tucano as declarações de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.

Mas nenhuma das testemunhas ouvidas no processo do TSE, exaltou-se o advogado de Dilma, admitiu a existência de dinheiro da Petrobras na campanha de 2014. Só uma testemunha ""que depois se retratou.

Pior, os fatos relativos à Odebrecht e às contas de João Santana nada têm a ver com a Petrobras. Traduzindo: se houve propina aqui, não foi mencionada pelo PSDB, e um processo judicial não pode ficar mudando de assunto conforme as notícias aparecem.

O advogado do PSDB, José Eduardo Alckmin, responde a essa argumentação. A lei que trata da cassação de mandato, promulgada em 1990, determina no seu artigo 23 que o juiz pode levar em conta "indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral."

Fatos novos, sim, rebate a defesa. Mas devem ser fatos novos que guardem laços com a reclamação inicial. E não fatos novos referentes a assuntos que não constam do processo desde o começo. Se for assim, nenhum mandato, nenhum cargo eletivo, ficará livre de permanente contestação judicial. Seria deixar todo governo ao sabor de uma completa insegurança institucional.

Num aparte, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, indicou simpatia por essa tese. O relator Herman Benjamin afiou sua lâmina na direção contrária: defender a democracia não se confunde com defender mandatos, mas defender a lisura de uma eleição.

A polêmica será retomada nas próximas sessões. Na noite desta terça-feira, apenas quatro questões processuais secundárias foram decididas, aliás de forma unânime. Eram pouco persuasivas, de fato.

Não havia como aceitar, por exemplo, o argumento dilmista de que só o Supremo Tribunal Federal poderia decidir sobre o mandato de um presidente da República ""isso vale para crimes comuns, não para irregularidades eleitorais.

Ou a ideia de que, com o impeachment, a ação no TSE perdia pertinência. Como se sabe, a pena de inelegibilidade por 8 anos ainda pode recair sobre a ex-presidente, que se livrou disso no Congresso.

Os advogados ainda reclamavam da ordem adotada pelo ministro Benjamin ao ouvir as testemunhas nas investigações sobre João Santana e a Odebrecht. Pessoas que interessam à acusação tinham de vir antes daquelas que interessam à defesa. Mas a questão também foi rejeitada, porque aquelas testemunhas foram convocadas pelo próprio juiz, e não pelas partes em conflito. A regra não vale nesse caso.

Era uma questão menor, mas que ajudou acidentalmente a perceber para que lado pende outro magistrado da corte, o ministro Napoleão Nunes. Ele estava prestes a divergir do encaminhamento, sem dúvida pró-cassação, adotado por Herman Benjamin.

O debate decisivo, em todo caso, fica para esta quarta-feira.


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