Folha de S. Paulo


STF suspende julgamento sobre foro e discute 'montanha-russa processual'

Pedro Ladeira/Folhapress
Ministro Alexandre de Moraes, do STF, pede vista em julgamento que trata da restrição ao foto privilegiado de autoridades, em Brasília
O ministro do STF Alexandre de Moraes pede vista no julgamento da restrição ao foro privilegiado

Ele foi prefeito, virou deputado federal, deixou de ser, tornou-se deputado de novo, renunciou ao mandato, voltou a ser prefeito.

Sempre que Marquinho Mendes (PMDB-RJ) ia ser julgado, o processo acabava parando em outro lugar. Ou no Tribunal de Justiça (foro de quem é prefeito), ou no Supremo Tribunal Federal (para quem é congressista), ou até na primeira instância (para quem não é coisa nenhuma).

Com o caso nas mãos, o ministro Luis Roberto Barroso propôs uma questão de ordem, tentando limitar as regras do foro privilegiado. Ou "prerrogativa de foro", como se prefere dizer no STF.

Na sessão desta quarta-feira (31), ele propôs que o foro privilegiado passe a valer apenas para julgar crimes cometidos durante o exercício do cargo e que tenham relação com este. Crimes comuns devem correr nos
tribunais ordinários.

Além disso, continuou Barroso, deve-se determinar que, depois de uma determinada etapa do processo, os casos sejam julgados a partir de um ponto só, sem ficar pulando de lugar. É preciso evitar a "montanha-russa processual", concordou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ademais, advertiu, o aumento exponencial de demandas criminais contra parlamentares e outras autoridades vai inviabilizar o funcionamento do STF.

Ao ler seu voto, Luis Roberto Barroso citou números. Para receber uma simples denúncia criminal, o STF gasta um prazo médio de 581 dias, quando um juiz de primeiro grau não demora mais de 48 horas nessa etapa do processo. Há casos que se arrastam por dez anos. O clima da corte parecia simpático às considerações de Barroso. No dia seguinte, quando a questão foi retomada, tudo virou.

O ministro Gilmar Mendes tomou a palavra. Usam-se dados de pesquisas irresponsáveis para denegrir o Supremo, reclamou. Para a Fundação Getúlio Vargas, disse, 68% dos processos criminais examinados pelo Supremo prescrevem. Mas a pesquisa confunde a simples rejeição de uma denúncia (etapa anterior à própria abertura do processo) com a prescrição do caso. E muitos pedidos do Ministério Público são feitos sem base nenhuma, ou com fins de intimidação.

O próprio MP, acusou Gilmar, abandona as investigações, e não pede o arquivamento porque isso "é difícil politicamente". Quando se julgava o mensalão, lembrou Gilmar, a própria imprensa se insurgia contra o desmembramento do processo, que levaria muitos réus à primeira instância; via nisso risco de impunidade e demora no julgamento.

Dias Toffoli acrescentou dados de seu gabinete, mostrando que é mínima a proporção dos casos penais diante de tudo o que o Supremo tem de julgar. O ministro Alexandre de Moraes fez outras advertências. Qualquer mudança nas regras pode estimular ainda mais recursos e pedidos de esclarecimento. Determinações explícitas da Constituição teriam de ser desrespeitadas. Sem falar nas Constituições estaduais.

Mais concretamente, como fica a Operação Lava Jato? O inquérito presidido por Luiz Edson Fachin teria de ser desmembrado?

MARIA DA PENHA

Moraes acabou pedindo vista. A favor da proposta de Barroso, votaram desde já Carmen Lúcia, Marco Aurélio Mello (com ressalvas) e Rosa Weber. Como podemos admitir, disse Rosa Weber, foro privilegiado para um parlamentar acusado de infringir a Lei Maria da Penha? Bater numa mulher não é crime relacionado ao exercício do cargo... e o Supremo é chamado a julgar coisas desse tipo.

Barroso ainda quis dar uma palavra final. Tanto o STF é considerado garantia de impunidade, que vemos gente sendo nomeada para cargos públicos apenas para escapar de ação penal... Mas aí, seria o caso de lembrar, é porque muita gente quer escapar de Curitiba, e nem sempre a primeira instância funciona como lá.

A discussão, pode-se brincar, fica sendo menos sobre prerrogativa de foro do que sobre prerrogativa de Moro. Fica tudo suspenso, de qualquer modo, até que Alexandre de Moraes apresente seu voto.


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