Folha de S. Paulo


Canal no YouTube faz militantes de esquerda passarem vergonha

Editoria de Arte/Folhapress

Ele é uma pedra no sapato. Está disposto a desmoralizar, a desqualificar, a ridicularizar os movimentos de esquerda.

Acontece que ele consegue isso com muita facilidade e se mostra muitas vezes coberto de razão.

Trata-se de Arthur Moledo do Val, estrela de um canal do YouTube chamado Mamaefalei. O rapaz se dedica a uma tarefa simples, mas que exige alguma dose de coragem.

Vai nas manifestações, com uma câmera portátil, e faz perguntas a militantes da CUT, simpatizantes de Dilma, ativistas do PSOL, PSTU ou PCO. Depois, publica tudo no YouTube.

O resultado é deprimente. Descrevo algo do que vi nesse canal.

No Primeiro de Maio de 2016, Arthur foi às ruas. Aborda dois manifestantes, que usam camiseta vermelha e carregam bandeiras da CUT.

"Qual o direito trabalhista que vocês acham mais importante?", pergunta ele. Dificilmente se poderia dizer que a pergunta é uma provocação. Acaba parecendo, contudo, porque as respostas deixam a desejar.

"A dignidade", responde o manifestante. A resposta se repete na conversa com outro rapaz da CUT. Arthur resolve espremer um pouco. "Mas dignidade não é um direito trabalhista", retruca ele, com razão. "Diga um direito trabalhista que é bem importante para nós."

O moço da CUT não se altera. "Agora você me pegou, hein...", confessa, e sorri.

Uma mocinha afirma que o principal direito trabalhista é "a carteira assinada". Arthur quer mais: "Cite um benefício garantido pela carteira assinada". A moça pensa um pouco, fica encabulada, e admite com voz aguda: "Ai, geeente, eu esqueci!".

O vexame não para nisso. Quando Arthur pergunta sobre o mensalão, um simpatizante da CUT responde que o caso se deu em 1990, no governo Collor. Quanto aos governos petistas, outro diz que "Dilma roubou um pouco, mas é nossa governadora até o fim".

Tudo se dá num clima de simpatia, sem hostilidade. Com boa vontade, alguém argumentaria que o canal Mamaefalei seleciona as respostas mais tolas, e que haveria manifestantes capazes de expor mais claramente o que estão a defender.

Acontece que as coisas pioram muito quando o youtuber procura pessoas mais qualificadas. Em outra manifestação, uma mulher de seus 40 anos está vendendo o jornal do PCO (Partido da Causa Operária).
Chega o entrevistador e pergunta se ela concorda com Marx. "Sim", responde ela.

"Então você concorda com a ideia de que tudo o que o trabalhador produz deve ficar com o trabalhador?" "Sim", continua a entrevistada. "Mas e esse relógio que você está usando não foi feito por um trabalhador?", pergunta nosso liberal. "Então como é que você está com ele?"

A pobre cidadã se espanta, como eu também, diante da primariedade com que Arthur contesta as teorias de Marx. "Mas eu comprei", ia respondendo.

Aí o PCO intervém. Militantes mais aguerridos imaginam que Arthur está humilhando uma mulher. Seguem-se empurrões e xingamentos.

As cenas se repetem sempre que o entrevistador se aproxima de manifestantes de esquerda. "Coxinha filho da puta." "Se entrar no nosso meio, é porrada. Bater sem dó. Vai conhecer o SUS." "Tá provocando a tua morte."

Democraticamente, Arthur propõe que se invertam os papéis. "Peguem a câmera, podem me entrevistar." Duas universitárias aceitam o desafio: "Quanto te pagam para você ser babaca?".

É vergonhoso. O canal Mamaefalei consegue tudo o que queria: mostrar o autoritarismo e a falta de preparo da militância de esquerda, sem fazer nada mais que perguntas simples, destituídas de duplo sentido; ou então perguntas tolas, como aquela do relógio.

Obviamente, poderia ter feito o mesmo perguntando sobre empréstimos consignados e pedaladas aos que gritavam pelo impeachment de Dilma no ano passado. Poderia abster-se de fazer perguntas de bandeja para João Doria Jr, na campanha para a prefeitura.

Não é seu dever, contudo, ser apartidário. Está apenas fazendo o jogo do "debate democrático": em tese, pessoas com opiniões políticas definidas poderiam ser capazes, primeiramente, de expô-las e, em seguida, de sustentá-las diante de um opositor que não berra, nem xinga, nem tem um porrete nas mãos.

Estamos, ao que tudo indica, muito longe disso. Será exigir demais? Tema, quem sabe, para um próximo artigo.


Endereço da página: