Folha de S. Paulo


Três filmes em cartaz mostram 3ª idade menos inútil do que se pensa

Filho temporão, convivi desde cedo com parentes muito velhos. Minha mãe, que era caçula, tinha várias irmãs cuja idade se estendia, em linha progressiva, até onde a natureza pode conceber.

Revezavam-se para cuidar de minha avó, a quem conheci falando coisas incompreensíveis, e me parecendo tão feia –na penumbra daquela sala cheia de manchas na parede, onde ardia uma lamparina para o Coração de Jesus–, que eu passava as tardes evitando o seu olhar.

Gostava, entretanto, de me sentar numa espécie de almofada de espuma, com um buraco no meio, acho que indicada para quem fez cirurgia de hemorroidas. Meu prazer, que talvez tivesse algo de sacrílego, foi logo reprimido.

Depois, com o tempo, as tias foram perdendo a memória, e passavam a noite telefonando umas às outras para compartilhar suas preocupações. "Tem notícias da vovó Penha?", perguntava a mais velha. "Faz tempo que ela não liga..."

Luli Penna/Folhapress

A resposta da minha mãe era cortante: "Mas a vovó morreu em 1958!". Com cem anos, aliás.

O diálogo prosseguia. "Claro que eu sei disso, por que você está me dizendo?" "Mas você me perguntou como ela estava passando!" "Ela quem?"

Vieram em seguida as internações hospitalares, as visitas, as queixas, as convalescenças, as alucinações, os silêncios, os velórios.

Em suma, vi mais velhice até os 25 anos do que em todo o resto da minha vida até agora, e gastei por lá o principal da minha paciência.

Verdade que há pessoas de 70 ou 80 anos cujo convívio me dá mais prazer do que o de vários coetâneos meus. Vejo nestes, contudo –e em mim mesmo– as ameaças, não da morte ou da doença, mas aquela, mais imediata, da encheção.

Há a surdez física e a surdez espiritual; há a intolerância, o desinteresse, a rabugice, a repetição. Merece um prêmio o velho que não for chato; é preconceito, admito, mas preconceito que só tem motivos para crescer, ele próprio, com o passar do tempo.

O Oscar, que com justiça premiou tantos artistas negros, também merece destaque pelo que fez em favor dessas outras vítimas do preconceito. Pelo menos no que diz respeito aos filmes estrangeiros, foram indicadas duas produções lindas, "Toni Erdmann" e "Um Homem Chamado Ove", que nos ajudam a ver os velhos com mais ternura.

Isso não é difícil no caso de outro filme também em cartaz em São Paulo: "Eu, Daniel Blake", de Ken Loach. O velhinho vivido por Dave Johns é uma simpatia, capaz de ajudar qualquer desconhecido que, como ele, esteja sendo torturado pela máquina burocrática da assistência social britânica.

Tem de preencher formulários pelo computador; mas não sabe sequer o que é um mouse. Sabe fazer ótimos e bonitos trabalhos de marcenaria –mas ninguém precisa deles.

Outro velho indesejável é o pobre Winfried (Peter Simonischek), em "Toni Erdmann", comédia alemã cheia de surpresas e excentricidades. Mas como não gostar daquele pai incômodo, farsante e verdadeiro, dedicado ao esforço pedagógico de perturbar uma filha que só pensa em demitir funcionários e "modernizar" a economia? O cotidiano dos altos funcionários multinacionais pode ser mais chato, mais doente, mais estéril do que o pior dos velhos.

Mas o meu prêmio vai para "Um Homem Chamado Ove", filme de Hannes Holm, com Rolf Lassgård no papel de um dos velhos mais antipáticos e implicantes que a Escandinávia será capaz de produzir.

Quanto mais detestável o personagem, mais forte o movimento que nos leva a finalmente gostar dele. O velho Ove segue, por assim dizer, uma moral kantiana extremada: trata-se de fazer o bem, não por impulso, mas por dever.

Os transportes do coração, dizia Kant, não têm valor moral: este só se verifica no que fizermos em obediência à lei do certo e do errado; uma ação será mais ética, aliás, se for "contra" nosso impulso afetivo.

O que não impede "Um Homem Chamado Ove" de nos mobilizar afetivamente, e muito. Meu radar para a pieguice não é dos melhores, mas acho que não fui manipulado demais pelo diretor.

Amar os velhos? Esses três filmes fazem mais do que um simples apelo. Mostram a burrice que há em descartar pessoas que podem ser de grande ajuda se soubermos lidar com elas. São um "recurso natural", por assim dizer. Mas, tratados como uma carga, ainda têm de despertar compaixão. E isso pode bem ser uma crueldade, ou uma impossibilidade, a mais.


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