Folha de S. Paulo


Maioria no STF foi feita a favor de réu por peculato na presidência do Senado

Com Eduardo Cunha, o Supremo Tribunal Federal não teve dúvidas. Depois de uma liminar do ministro Teori Zavascki, o então presidente da Câmara perdeu não só o cargo, mas também o mandato de deputado. Afinal, era réu em processo criminal.

Como agir diferente com Renan Calheiros? A rigor, o comportamento de Cunha, em maio deste ano, foi até mais correto. Pelo menos, ele não se escondeu do oficial de Justiça que lhe queria entregar o aviso de afastamento do cargo.

Marco Aurélio Mello, relator do caso na sessão de ontem do Supremo, qualificou esse esconde-esconde de "grotesco". Não se exaltava. Como sempre, a iminência de um sorriso permanecia no seu rosto, quando narrou com detalhes as peripécias do funcionário que foi à casa de Renan, com o afastamento em punho.

Pela vidraça, o vulto do senador alagoano foi visto, despedindo-se de alta figura da República. Mesmo assim, uma assessora dizia que ele não se encontrava em casa. No dia seguinte, mais quatro horas de espera, até sair a notícia de que a Mesa do Senado não receberia a intimação.

O desafio patente à ordem judicial se justificaria, pelos argumentos do advogado geral do Senado, Alberto Cascais. Renan sequer teve oportunidade de defesa; nem mesmo havia sido publicado o teor da decisão.

Não se trata disso, argumentou Rodrigo Janot, procurador-geral da República. A decisão que fundamentava o afastamento de Renan não era fruto de uma ação específica contra ele. Tudo se resume a uma questão de interpretação constitucional e dos efeitos que isso tem.

Por maioria de votos, o Supremo já decidira que, quando alguém é réu, não pode ocupar cargo na linha de sucessão de um presidente da República.

A regra, explicou Janot, não se refere a Cunha ou Renan. O presidente da Câmara ou o do Senado têm, entre várias funções, a de constar como possível substituto do presidente da República. Um réu não pode exercer essa função específica.

Se continuar na chefia de uma casa do Congresso, estará "amputando" uma das atribuições inerentes ao cargo. É o cargo que sai desrespeitado e diminuído, portanto.

Celso de Mello foi o primeiro a manifestar discordância. Embora concorde que um réu não pode estar na linha de sucessão, aceita-o na presidência do Senado. É o princípio da separação de poderes, argumentou. Ademais, não havia urgência no caso: só na falta de Temer e do presidente da Câmara é que chegaria a vez de Renan na fila.

Edson Fachin foi mais rápido. Quando réu, o presidente da República é afastado de suas funções. O presidente do Senado, se réu, também deve se submeter à regra. Era mais um voto contra Renan.

Teori Zavascki fez expressar seu "desconforto pessoal", diante de "juízes que tecem comentários públicos sobre decisões de outros juízes" –lembrando-se, sem dúvida, dos últimos ataques de Gilmar Mendes à decisão de Marco Aurélio.

Ainda assim, votou pela permanência de Renan, no que foi velozmente acompanhado por Dias Toffoli: o peemedebista sai da linha sucessória, mas continua na presidência do Senado. Eram 3 a 2 a seu favor.

Quem não tem condições subjetivas de ser presidente da República não tem como estar na presidência do Senado, decidiu Rosa Weber, empatando novamente o placar.

Na questão da linha sucessória, não havia urgência para aceitar a liminar de Marco Aurélio, argumentou Luiz Fux, concordando com Celso de Mello. A urgência seria, a seu ver, a das decisões que pendem no Legislativo.

Os elogios a Marco Aurélio se multiplicavam, na medida mesma das discordâncias. Cunha foi afastado, lembrou Ricardo Lewandowski, pela interferência que exercia no julgamento; não é o caso de Renan. Até Carmen Lúcia seguiu a tendência geral.

A maioria estava feita, a favor de um réu por peculato na presidência do Senado.


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