Folha de S. Paulo


Pouco se pode concluir das eleições em que a incoerência é a regra

Só nestes últimos dias comecei a ouvir a expressão "G-93", que os comentaristas políticos usam para se referir a um grupo incluindo as capitais dos Estados e os municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes.

O conceito é interessante, em especial quando se nota que o PSDB venceu em 29 cidades do G-93 e o PT, que tinha 25 em 2008, apenas em uma: Rio Branco, no Acre.

É o que aponta o blog de Fernando Rodrigues no UOL, que tem a prudência de não traçar grandes previsões para as eleições presidenciais a partir daí. Também acho impossível notar mais do que algumas pálidas tendências para 2018.

Luli Penna/Folhapress
Ilustração Coelho 02/11

Geraldo Alckmin saiu-se melhor do que Aécio Neves, todos concordam, das eleições municipais. Há três "antipolíticos" de peso, como diz Fernando Rodrigues, eleitos nas capitais –João Doria (PSDB), em São Paulo, Marcelo Crivella (PRB), no Rio, e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte.

O empresário de luxo, o pastor e o dirigente de clube; pelo menos nenhum dos três é da bancada da bala. Note-se que Crivella, aliás, foi ministro de Dilma Rousseff. A esquerda tem memória curta nessas ocasiões.

Também gostava de chamar a senadora Kátia Abreu de "rainha da motosserra", até a parlamentar pelo Tocantins mostrar, de forma corajosa, sua lealdade à presidente na crise do impeachment.

Não é a menor incoerência revelada pelos simpatizantes do PT. Condenam a política de austeridade apresentada pelo ministro Henrique Meirelles. Mas esquecem que o mesmo Meirelles foi presidente do Banco Central durante os dois mandatos de Lula, e que, por um ano, Dilma Rousseff teve Joaquim Levy no Ministério da Fazenda.

Apelidado de "mãos de tesoura", Levy só não fez o que o governo Temer agora se dispõe a fazer por uma razão simples –a de que o Congresso não deixava.

Nesse sentido, que é sem dúvida o principal, o impeachment não resultou de nenhuma discordância doutrinária entre Legislativo e Executivo. Não foi ideológico; foi fisiológico.

Claro que, num espetáculo de hipocrisia e parcialidade, muitos manifestantes empunharam bandeiras neoliberais e moralistas para apoiar a revolta de um Congresso corrupto e gastador.

A maior incoerência dos petistas, de todo modo, surge nas críticas dirigidas a Sergio Moro e à Lava Jato. Não há defensor de Dilma que não veja em Sergio Moro um canalha a serviço do PSDB e que não considere a Lava Jato como uma farsa destinada a enterrar para sempre o futuro político de Lula.

Corrijo-me. Há um defensor de Dilma que não diz isso. É, aliás, o defensor por excelência. Trata-se de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça em seu governo.

No brilhante discurso que fez no dia do julgamento, o advogado de Dilma afirmou enfaticamente: o impeachment era um movimento para acabar com a Lava Jato.

Eduardo Cunha é um dos principais alvos da operação. Cardozo argumentava que o impeachment resultou de chantagem feita por ele, interessado em sustar a Lava Jato.

Dilma Rousseff resistiu; foi graças à petista, dizia Cardozo, que a luta contra a corrupção se tornou possível.

Não é o que afirmam os petistas. Alguns querem (vi cartazes) "Moro na cadeia". Outros já começam a defender Eduardo Cunha...

Continuo achando que o impeachment foi, de fato, um golpe –porque eram insignificantes e extremamente duvidosas as alegações de "crime de responsabilidade" contra Dilma.

Mas –e aqui volto ao tema das previsões políticas–não acho que o futuro já tenha dado o seu veredicto sobre o caso. Tudo depende do desempenho de Temer nos próximos anos. Suponha que a economia do país "se acerte"; é difícil, mas não impossível.

O raciocínio predominante poderá ser, nessa hipótese, de que "o governo Dilma não dava mesmo" e que o impeachment foi um mal menor. Continuará a ter sido, na minha opinião, um golpe jurídico-parlamentar; mas não parecerá comparável, em matéria de estrago e de trauma, aos acontecimentos de 1964.

Uma previsãozinha para terminar. Candidatos para 2018 estão difíceis de encontrar. Se Temer der certo, não é impossível que se pense numa reforma política "radical", propondo o parlamentarismo. Já estamos mais ou menos nesse clima: o famoso "presidencialismo de coalizão" se faz, na prática, quase sem presidente, e sem fortes candidatos a tanto.


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