Folha de S. Paulo


Futuro prefeito João Doria inova no estilo pessoal e na tecnologia capilar

Não espero muita coisa boa da futura administração João Doria Júnior na Prefeitura de São Paulo. Não espero nada de especialmente ruim, tampouco. A cidade continuará a ser o que é, com creches sendo construídas, sempre menos do que o necessário, com muitos problemas no atendimento de saúde, um pouquinho menos do que agora, e assim por diante.

Quanto às bandeiras mais memoráveis da campanha eleitoral, serão provavelmente apenas isso –bandeiras. A privatização do Pacaembu não será um divisor de águas na vida municipal, e quanto aos limites de velocidade –bem, acho que Doria já deve estar pensando melhor nesse assunto.

De resto, se não cumprir suas promessas quanto aos radares na marginal, ninguém irá crucificá-lo por isto. Conforme o clima ideológico do momento, esquecer o prometido pode ser afronta das mais graves ou deslize perfeitamente perdoável.

Luli Pena/LuliPena/Editoria de Arte/Folhapress
ilustração de Luli Pena para coluna de Marcelo Coelho de 26 de outubro de 2016

O que os eleitores de Doria desejavam era derrotar o PT; feito isso, o resto é o de menos –tanto assim, que o próprio tucano prestou homenagem a Fernando Haddad, considerando-o maior e melhor que seu partido.

De minha parte, presto minha homenagem a João Doria. Antes mesmo de assumir, ele já promoveu uma boa mudança nos costumes políticos paulistanos. Paulistanos? Que digo? Nacionais.

Refiro-me à abolição da gravata. Foi o único a aparecer nos debates do jeito que realmente é: o famoso pulôver por cima da camisa impecavelmente talhada. Para que gravata, quando se pode ser autêntico e circular por aí como quem passeia pelos corredores da própria casa?

Convenhamos que o uso da gravata estava se tornando cafona demais. Coisa daqueles pobres aspirantes a pastor evangélico, que vemos gritando num microfone diante de gatos pingados nas calçadas do centrão.

Pior: coisa de políticos. A roupa de João Doria corresponde perfeitamente à imagem que ele quis transmitir durante a campanha: era um "gestor", não mais um desses membros da corja de Brasília.

Empresário? Também não. Um "gestor" é algo semelhante ao "ator especialmente convidado" dos seriados de TV. Não é um "consultor" empresarial ""a palavra já desperta suspeitas hoje em dia.

O "gestor" tem algo de esportivo, de descompromissado, de alguém capaz de, com um leve toque, colocar as coisas no lugar, sem desmanchar um fio do penteado e, sobretudo, sem se arriscar a que lhe cortem o pescoço.

Sim, a gravata é hoje símbolo dos que estão com a cabeça a prêmio. O colarinho empertigado, mas confortavelmente entreaberto, livra João Doria Jr. das constrições e preconceitos que se associam a seu novo cargo.

Confere, além disso, um tom "light" a seu direitismo. Curioso: quando ele se lançou candidato, acreditei que o seu perfil decididamente "coxinha" lhe fosse desvantajoso nas urnas.

O ponto é que ele não tentou esconder isso –apesar de se referir à sua democrática passagem pela escola pública. Qual o problema de ser "coxinha"? Nenhum, disse Doria; espera, num futuro utópico, que também os pobres possam usar camisas de grife e casacos de vicunha. Why not?

Todo um mundo de aparências se desfez diante dessa singela atitude. A falsa respeitabilidade do político de gravata se mostra o que é de fato.

Diante da patética rotina dos implantes, das perucas e cabelos pintados no Congresso, o futuro prefeito adere à tecnologia capilar do "reflexo inverso". É o que li na revista "sãopaulo" desta semana.

Reflexo inverso! Pelo que entendi, seria um tratamento de colorização de baixo para cima. Mas o termo parece vir de algum sofisticado ensaio de dialética marxista. A defesa do "status quo" se faz sem a farda oficial de Michel Temer e seus ministros; se mostra moderna, leve e casual.

Sem medo de ser burguês: o lema é o "reflexo inverso" do antigo "sem medo de ser feliz", que Lula empregou numa campanha eleitoral já antiga e que poderia constar de uma plaquinha de madeira afixada no seu sítio de Atibaia.

Eu pensava, aí por 1975, que a gravata estava com os dias contados, assim como o casamento na Igreja e a ditadura militar. Vieram os "yuppies", tornando a velha gravata símbolo de modernidade e de revolta contra os barbudões da geração anterior.

Era preciso um João Doria Júnior para colocar novamente a história em marcha. "Acelera, São Paulo": o slogan há de deixar muita gente mais à vontade, pisando fundo com o mocassim italiano.


Endereço da página:

Links no texto: