Folha de S. Paulo


Fazer referências à zika ficou tão antiquado quanto piadas sobre Orkut

Claro que nunca se pode descartar o risco de atentado, mas nos últimos dias parece que a animação olímpica vai superando os prognósticos negativos.

Fazer referências à zika, por exemplo, ficou tão antiquado quanto as piadas sobre o Orkut, tão comuns (ainda) nos shows de stand up.

Fui dos que moderadamente acreditaram na história do "não vai ter Copa". Primeiro, porque não queria mesmo que houvesse. Segundo, porque os sinais de ineficiência e atraso nas obras não eram poucos.

Com o passar do tempo, a desconfiança se dissipou; tudo deu certo, com exceção da catástrofe, tampouco prevista por mim, na semifinal com a Alemanha.

Houve a zika. Vieram as fotos da baía de Guanabara como uma pocilga. Milhões ou bilhões foram certamente desviados. Ginásios foram concluídos à última hora. Uma onça foi morta, um canguru foi dado de presente, laptops foram roubados na Vila Olímpica, houve alarme falso de incêndio.

Todos esses presságios e incidentes significarão pouco nas próximas semanas. Os atletas, para começar, estão concentrados no seu próprio desempenho, e –por hábito de ofício– não acreditam na interrupção dos Jogos.

A Olimpíada se impõe, queiramos ou não. Noticiar riscos e trapalhadas é o dever da imprensa, que sempre tem de guardar no bolso o salvo-conduto do "não digam que não avisei".

Sem dúvida, isso traz a impressão de que se está "torcendo contra".

Há muito desse espírito entre jornalistas, alguns dos quais têm a vocação irreprimível do estraga-prazeres.

De minha parte, revendo a atitude que tive ao murmurar "não vai ter Copa", percebo que havia outro fator em jogo.

Não era torcer contra. Era o oposto. Querendo que o Brasil ganhasse o campeonato, eu queria também me proteger contra possíveis decepções. Perder a Copa seria ruim demais; o medo de que tal coisa acontecesse me levava a não querer que Copa nenhuma se realizasse.

A Olimpíada vai acabar mal; as obras vão desabar; o show de abertura será um fracasso; furacões de mosquitos e tsunamis de latas velhas impossibilitarão remadores e golfistas de disputar medalhas; todo turista será assaltado; o legado dos Jogos se resumirá às ruínas deixadas pela bomba islâmica.

A imaginação projeta tudo isso porque está tentando fugir de outra coisa. A saber, o tombo de nossa estrela na ginástica de solo, o pênalti mal cobrado na final do futebol, o fracasso do vôlei, a penúria final na conta das medalhas.

Negociamos nossas eventuais decepções. Como o mau perdedor que puxa a toalha da mesa de buraco, ou derruba de uma vez todas as peças do tabuleiro, sonhamos em melar o jogo antes mesmo que comece ""dadas as fortes possibilidades de derrota. O pessimismo, no caso, é medo.


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