Folha de S. Paulo


Reatar com quem?

Estranhei, como todo mundo, a foto que mostrava os ministros de Temer. Nenhuma mulher? A pergunta revela, o que não é má notícia, o quanto já estávamos acostumados com alguma participação feminina no mundo oficial.

Aquela quantidade de marmanjos, carecas, bigodudos e engravatados sugeriu a alguns comentaristas uma comparação com "a turma da sauna do Clube Pinheiros".

Será? Nunca frequentei aquelas dependências, mas imagino que os sócios do Pinheiros sejam mais estilosos. Era mais o clube de carteado dos comerciantes de Assunção, o encontro dos formados em 1965 da Faculdade de Direito de Medellín.

Parece péssimo, mas não quero dar essa impressão. Achei as palavras de Michel Temer, naquele momento, adequadas e simpáticas.

Ele começou dizendo que gostaria de uma cerimônia singela, até mesmo sem discurso, mas que as circunstâncias –não precisava dizer quais– exigiam algum pronunciamento.

A raiva dos adversários do impeachment levou a que reclamassem de uma curta referência de Temer à religião, no final do seu discurso. Mas suas palavras não foram "religiosas", no sentido de alguma confissão de fé.

Temer simplesmente mencionou o que se considera ser a etimologia da palavra, do latim "religare". Reunificar, rejuntar, religar.

Há interpretações divergentes; Cícero (106-43 a.C.) achava que o termo vinha de "relegere", reler, atividade a que se dedicam sacerdotes e constitucionalistas.

Mas continua apropriado, e não carola, o uso que Temer fez da palavra em seu discurso. Importa, a seu governo, reconstituir os laços rompidos, reatar o que estava despedaçado. A questão é: reatar com quem? Reconstituir o quê? Surgem daí as principais fraquezas e virtudes de sua interinidade política.

O governo Dilma tinha perdido sua ligação tanto com o Congresso quanto com setores majoritários da sociedade. A estratégia de Temer não é a de retomar essas duas ligações no momento. Preocupou-se apenas com o Congresso. Seu ministério tornou-se uma congregação do baixo clero, mas não tão baixo a ponto de incluir o fundo do tacho. Digamos que tenha colhido seus participantes no "baixo clero ascendente", ou no "pequeno alto clero".

Sinceramente, não acho que tenha sido a pior opção.

O maior risco, na atual conjuntura, teria sido encarar o novo governo como uma espécie de "libertador nacional", de arauto e confluência das forças pró-impeachment.

Temer optou por dar as costas ao movimento das ruas. Seria perfeitamente possível imaginar que, imbuído de messianismo, indicasse um ministério mais ou menos como o seguinte: Justiça, Janaina Paschoal. Agricultura, Ronaldo Caiado. Indústria e Comércio, Paulo Skaf. Trabalho, Paulinho da Força. Educação e Cultura, Marco Feliciano. Casa Civil, Aécio Neves.

Seria, convenhamos, uma equipe mais "representativa" do que a organizada por Michel Temer. Os personagens mencionados –deixo Eduardo Cunha de fora– tiveram papel crucial no impeachment.

O perfil do governo retrataria o clima de delírio e extremismo dos últimos tempos; poderia, como em 1964, apresentar sob as cores de uma "revolução" a derrubada do governante eleito.

Ainda que muitos argumentos sejam invocados para dizer que o impeachment não foi um golpe, o fato é que certa vergonha do golpismo parece ser perceptível na oposição.

É o que explica, a meu ver, a resistência do PSDB a liderar todo o processo do impeachment. O que explica, por sua vez, o declínio de seus candidatos nas pesquisas de opinião.

Não sou "representante" de nada, concorda Temer ao assumir o governo. Levado ao poder pelo fracasso de Dilma e por gigantescas manifestações de rua, o vice não tomou esses fatores como capazes de lhe conferir uma legitimação "de facto".

Na formação do novo governo, é como se ele se considerasse mais um primeiro-ministro em situação de crise do que um presidente com plenos poderes. Não montou propriamente um "ministério", mas sim um "gabinete".

Não pensou em nomear mulheres, negros, cientistas, arquitetos, esportistas, deficientes ou jovens. Precisava de um arranjo parlamentar; uma espécie de superpresidência do Congresso.

Na hora de entoar o cântico da vitória, Temer pede um copo d'água e uma pastilha. Os derrotados deviam agradecer sua modéstia.


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