Folha de S. Paulo


Boyhood

Correndo o risco de ser antipático, exponho aqui minha falta de entusiasmo pelo filme "Boyhood". Devo ser o único; todas as pessoas que conheço elogiam a bonita história do menino Mason (Ellar Coltrane), filmada ao longo de 12 anos por Richard Linklater.

Não é que não gostei. Meus problemas com o filme começam na frase anterior. Disse que se trata de uma "bonita história", mas não tenho certeza de que se trate de uma "história".

Com efeito, "Boyhood" parece mais um documentário, sem ter, todavia, as vantagens de conteúdo e a estética própria de um documentário.

Tudo começa e acaba, naturalmente, com a proeza de se ter mantido, em filmagens sucessivas, o mesmo elenco –de modo que, em vez de truques de maquiagem, a transformação fisionômica dos atores pode ser acompanhada em pouco tempo pelo espectador.

Não há especial interesse nisso –digamos que haja aí uma curiosidade visual e biológica–, mas a circunstância acaba impondo um realismo extremo, ou melhor, um compromisso hiper-realista, ao filme em seu conjunto.

Em que sentido isso é insatisfatório? A meu ver, "Boyhood" termina se limitando a um registro de acontecimentos mais ou menos típicos na vida de um menino americano –mas é insuficiente na construção de uma história ou de um personagem.

Personagem, numa acepção forte do termo, acaba havendo só um no filme inteiro: o pai de Mason, vivido com muita energia por Ethan Hawke. Trata-se de alguém cujos defeitos são bastante evidenciados, mas que nos reacende, a cada aparição, a esperança de que possa corrigir-se.

Não perguntamos apenas: "O que vai acontecer com ele agora?". Mas também: "O que ele vai fazer com isso que aconteceu?", "De que maneira ele continua a ser o mesmo, ainda que possa estar mudando?", "Será que ele aprendeu alguma coisa?".

É curioso. Estas seriam exatamente as perguntas que faríamos ao acompanhar a história de um rapaz, digamos, dos catorze aos vinte anos. Aplicam-se ao pai de Mason, mas não –e isto é crucial– ao protagonista de "Boyhood".

Mason não é um personagem, nesse sentido. As coisas apenas acontecem –ele muda de casa, muda de escola, aparece uma namoradinha também, depois isso não dá certo...

Mas nada sabemos, a rigor, de suas expectativas, de suas dúvidas, de suas elaborações, de seus projetos. Mason é totalmente passivo –apenas o campo de provas para mudanças hormonais.

Sem ser personagem de um documentário, Mason não é personagem de ficção. "Boyhood" não descreve o arco de um aprendizado, de uma decepção, de uma mania, de um problema. Os anos simplesmente passam por Mason, e sabemos tão pouco a seu respeito no fim quanto sabíamos no começo do filme.

Perde-se, com isso, uma das maiores vantagens da ficção: o fato de ser extremamente semelhante a nossa própria experiência. Pois nenhum de nós simplesmente "vive". Para que "viver" seja mais do que apenas "existir", é preciso que tenhamos alguma ficção a nosso próprio respeito.

Posso alimentar grandes ou pequenos projetos, sem nunca realizá-los. Um livro a esse respeito seria possível –pois há uma história, de desencanto ou de realização, palpitando nisso. Posso construir uma teoria a meu respeito –meus pais fizeram isso ou aquilo comigo– e minha história será a confirmação ou desmentido dessa teoria.

Ficções, em suma –que tornam vivos, para nós, os filmes a que assistimos e os romances que lemos. Num documentário, o jogo é diferente. Nesse gênero, que aparentemente é mais "conteudístico", menos "inventado", um dos segredos está provavelmente na forma adotada pelo diretor.

Há algo a ser demonstrado; uma tese, talvez, como nos filmes de Michael Moore. Ou, mais frequentemente, há uma realidade qualquer (a biografia de alguém, o drama de uma parte da população) que será exposta.

Depois de uma hora e meia de filme, será necessário que o espectador tenha a noção de que um círculo se fechou, que algo se encerrou ali, que o que se tinha a dizer foi dito. O "fechamento" do documentário tende a ser transmitido por um recurso formal, enquanto que a conclusão de uma obra de ficção depende do desfecho –de algo cujas sementes de expectativa e de tensão se plantaram no começo da história.

Expectativa, tensão? Projeto pessoal, tese a ser exposta? Ficção, realidade? Não encontro nada disso em "Boyhood". Sobra a rotina inerte dos anos e seu reflexo fisiológico. Nada mais.


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