Folha de S. Paulo


Prioridades e prioridades

As edições desta semana mostram com clareza as prioridades da Folha. Educação, por exemplo, é uma prioridade.

O jornal levou, na quarta-feira, o que chamamos, no jargão jornalístico, de furo. "O Globo" e o "Correio Braziliense" publicaram antes de todos os resultados das avaliações do ensino brasileiro feitas pelo Ministério da Educação. As conclusões foram bastante negativas, indicando uma queda grande na qualidade do ensino fundamental e do ensino médio.

A reação habitual dos jornais quando são furados é de ignorar ou subestimar a informação dada com exclusividade pelo concorrente, o que é um erro grave porque pune o leitor. Não foi o que fez a Folha neste caso.

O jornal não se deixou abater pelo revés da véspera e deu os resultados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) com o destaque que o assunto merecia: manchete da Primeira Página ("Educação do país piora em 10 anos"), quatro páginas de notícias e análises na Edição Nacional e um caderno especial com seis páginas na Edição São Paulo. No final, fez uma cobertura, que ainda se estendia pela edição de sexta-feira, melhor do que os seus concorrentes, inclusive os que obtiveram os dados antes.

Não tenho dúvida de que a Folha e os principais jornais brasileiros estão atentos à importância da educação na transformação do país e que têm o tema como uma de suas prioridades. Essa consciência é explicitada em todos os editoriais, e a edição de quinta-feira, no caso da Folha, é uma comprovação. Mas também é evidente, para quem acompanha diariamente os jornais, que o compromisso esbarra na falta de pessoal e de especialização.

A cobertura diária é irregular e a antena do jornal nem sempre está ligada. Na quarta-feira, por exemplo, o jornal publicou mal, na Edição Nacional, uma pesquisa da Unesco que mostrava que a diferença de rendimento entre jovens brancos e negros nas escolas brasileiras é maior entre ricos do que entre pobres. A notícia simplesmente sumiu na Edição São Paulo.

Brasil e EUA

Relações exteriores não é uma prioridade para a Folha.

A pouca atenção do jornal em relação ao assunto ficou evidente na cobertura errática das visitas ao Brasil, ao longo da semana, de três representantes graduados do governo dos Estados Unidos, dois do Departamento de Estado e o secretário da Justiça. A agenda da ofensiva norte-americana coincidiu com a crescente tensão entre Washington e países próximos ao Brasil, como a Venezuela, o Equador e a Bolívia, e incluiu encontros com representantes do governo federal e com governadores. Da pauta constaram itens econômicos e políticos, cooperação na área da Justiça e do combate à criminalidade e foi confirmada a visita do presidente Bush ao Brasil.

A Folha não tem uma cobertura regular do Itamaraty e da política externa brasileira. A descontinuidade do acompanhamento, característica do jornalismo brasileiro, é ainda mais evidente nessa área. O interesse é desperto quando estoura uma crise, e quase sempre o jornal chega atrasado.

Na terça-feira, o jornal anunciou as visitas em Mundo. Na quarta, deu manchete para o resultado de um dos encontros bilaterais ("EUA querem parceria estratégica no etanol"), mas diluiu a cobertura por três editorias (Dinheiro, Mundo e Cotidiano). Como escrevi na Crítica Interna, a fragmentação enfraqueceu a edição e prejudicou a compreensão dos vários aspectos em jogo da política dos Estados Unidos e de sua relação com o Brasil e a América do Sul.

Manchete na quarta, o relato das visitas e de seus desdobramentos já não era do interesse da Primeira Página na quinta-feira. E o noticiário novamente foi espalhado. Um pedaço em Brasil, a editoria responsável pela cobertura da política externa brasileira, mas que na véspera ignorara as visitas, e outra parte continuou em Dinheiro.

A edição de sexta, depois de tanta confusão, teve o mérito de chamar o assunto novamente para a capa do jornal, concentrá-lo em Brasil, com um prolongamento em Dinheiro, e arriscar algumas análises. Mas desconfio que àquela altura os leitores deveras interessados no tema já haviam desistido de acompanhá-lo pela Folha.


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