Folha de S. Paulo


As gafes dos presidentes

A IMPRENSA adora uma gafe. Gafe é o erro, o escorregão, o disparate, o deslize verbal incontido num discurso de improviso ou numa declaração impensada. Gafe é humor ou insulto, é a situação constrangedora, a demonstração pública de falta de sensibilidade ou de cultura. Agrada porque passa a idéia de que não somos piores que os escolhidos, somos todos igualmente ignorantes.

Os leitores adoram gafes, a se levar em conta a importância que a imprensa dedica aos disparates. Que são mais saboreados e comentados quando saem de um presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva cometeu muitas gafes. Fernando Henrique Cardoso, idem (uma coluna de Janio de Freitas, de 19/12/2001, dizia que FHC "é um caso muito particular de sofreguidão verbal. Sua capacidade de ser inadequado na verborragia incontível, arruinando-se tanto nas idéias que não controla como nas palavras que não contém, tem produzido um anedotário de gafes poliglóticas que terminam revelando mais de seu autor do que os modos comuns o fazem"). George W. Bush, então, nem se fala.

O interesse pelas gafes vem dos primórdios da imprensa. Mas ninguém tinha revelado esse interesse (desvio?) tão cruamente como o recém-lançado livro "Viagens com o presidente" (editora Record), dos repórteres Eduardo Scolese, da Folha, e Leonencio Nossa, de "O Estado de S. Paulo", ambos responsáveis por acompanhar o presidente Lula:
"Enquanto Lula é reverenciado no exterior, os jornalistas brasileiros demonstram receio de parecer "chapa-branca", especialmente nessas viagens cheias de delírios coletivos e homenagens efusivas.

No Brasil, vale dizer, os primeiros meses de governo contaram com a benevolência da imprensa em geral. Algum tempo depois da posse, passado o clima de novidade, tornou-se comum jornalistas admitirem que demoraram a perceber a ineficiência administrativa do governo petista. Essa sugerida complacência de setores da imprensa com o governo federal, porém, não ocorria com a figura do presidente Lula em seus primeiros deslocamentos ao exterior. Nas redações, a ordem aos repórteres enviados aos países era redobrar a atenção para eventuais gafes do presidente diante de autoridades estrangeiras. Qualquer descuido ou ato falho de um presidente pouco acostumado a essas formalidades valeria mais do que um discurso econômico ou a assinatura de acordo bilateral com algum país".

A propósito, o livro é muito interessante. Tanto pela reconstituição dos bastidores de três anos do governo Lula (e por que as melhores histórias não estavam nos jornais no dia seguinte?) como pela exposição franca e rara de como se dá o relacionamento, quase sempre tenso, da imprensa com o poder.


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