Folha de S. Paulo


Os exageros da Copa

Não são muitos os leitores insatisfeitos com a cobertura da Copa de futebol da Alemanha feita pela Folha. Pelo menos é o que indica o pequeno número de mensagens recebidas pelo ombudsman. As principais críticas não são dirigidas especificamente à Folha, mas à imprensa em geral: excesso de espaço (nos jornais) ou de tempo (nas TVs), ufanismo e alienação.

Há os leitores que confessam que detestam o futebol e reclamam da quantidade de notícias sobre a Copa que enchem as primeiras páginas e as páginas internas do jornal. E há os que gostam do esporte, acompanham a Copa, mas também vêem exageros.

TAMANHO
Uma das características da cobertura de Copa do Mundo dos grandes jornais brasileiros é exatamente o exagero. Aliás, essa fórmula não se aplica apenas às Copas. Qualquer grande assunto em que se imagine um interesse maior do leitor empurra os diários para uma competição por quantidade (de páginas), e não necessariamente por qualidade (de informação).

A cobertura exagerada não é uma característica apenas da imprensa brasileira. Em todos os países onde existe tradição futebolística, a imprensa está, neste momento, totalmente voltada para a Alemanha. Isso ocorre mesmo com jornais de prestígio, como é o caso do "El País", da Espanha, uma referência de jornalismo de qualidade.

Na terça-feira, os jornais brasileiros apresentaram o jogo de estréia do Brasil contra a Croácia. A Folha editou um caderno com 12 páginas; "O Estado de S. Paulo" (16 páginas) e "O Globo" (20) a superaram. O "El País", um tablóide, editou na quarta-feira, quando apresentou o jogo de estréia da Espanha contra a Ucrânia, um caderno de 22 páginas, que deve equivaler ao tamanho do da Folha.

A grande diferença entre os três jornais brasileiros e o espanhol está na visibilidade. A primeira página do jornal "El País" de quarta-feira trazia uma chamada discretíssima, no pé da página, para a estréia da seleção espanhola, e um amplo cardápio de assuntos. Na Folha, na terça-feira, a mancha sob o selo "Copa 2006", com a apresentação do jogo do Brasil, ocupava 66% da capa. Outro exemplo de overdose ocorreu ontem. Praticamente todo o alto da capa da Folha foi tomado pelas fotos dos seis jogadores argentino que marcaram a goleada contra Sérvia e Montenegro.

OMISSÃO
O grande destaque diário da Copa na Primeira Página empurra as outras notícias para um segundo plano e gera queixas dos que acham que os jornais aproveitam para relaxar no acompanhamento dos grandes problemas do país, como corrupção e criminalidade, e de assuntos importantes, como as eleições presidenciais.

É verdade que esses assuntos perdem espaço, mas é verdade também, no caso da política, que as notícias somem e os jornais criam dramas a partir de episódios menores. As manchetes da Folha de anteontem e ontem foram as ofensas trocadas entre o governo e a oposição. O jornal ignorou, por exemplo, o relatório da ONU sobre o crescimento das favelas no mundo.

Os leitores que mais reclamam de omissão de notícias nestes dias são, curiosamente, leitores do caderno Esporte que não se conformam com a hegemonia do futebol e o noticiário minguado sobre competições importantes no tênis (Rolland Garros), no iatismo (regata Volvo Ocean Race) e no basquete (as finais da NBA). As colunas de esportes que não são sobre futebol só poderão ser lidas, durante a Copa, na Folha Online.

UFANISMO
Esta é outra característica histórica do jornalismo esportivo brasileiro. A Folha geralmente tem um ponto de vista mais crítico em relação à seleção, às vezes confundido com má vontade. Nesta Copa, não percebi nenhum dos extremos, exceto na capa do caderno de terça-feira, quando a seleção estreou: "Super, master, hiper, ultra, maxi, power, megafavorito". A edição era contrabalançada, no entanto, por um "mas...", que remetia, na contracapa, para os problemas do time, as histórias de frustrações em outras Copas e as dificuldades que terá pela frente na Alemanha.

"O Globo" exagerou na apresentação do jogo: "A hora da estrela - Ronaldinho Gaúcho entra em cena para fazer história". Mas nada que chegue perto do que se ouve na televisão.
Esta Copa tem uma presença mais forte das emissoras de TV e da internet, que fazem uma cobertura ao vivo e em tempo real de praticamente tudo que acontece na Alemanha. Pouco sobra para os jornais no dia seguinte. Eles deveriam se distinguir pelas notícias, reportagens e análises exclusivas, mas isso é o que menos se encontra.

As páginas são ocupadas basicamente pelo noticiário já conhecido da véspera e por comentários já disponíveis em outros meios. Este talvez seja o maior problema.


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