Folha de S. Paulo


Duas greves

Os professores e funcionários da rede municipal de São Paulo realizaram, entre os dias 28 de março e 12 de abril, a maior greve desde 1987. Recebi várias mensagens de leitores com queixas. A maioria reclamou do pouco espaço dado pelo jornal ao movimento. Outros acharam o noticiário "preconceituoso" com os grevistas.

Acho que os leitores têm razão em relação à pouca visibilidade que a greve obteve na Folha, principalmente na Primeira Página, embora não se possa dizer que o jornal não tenha acompanhado a paralisação. Houve notícia desde o primeiro dia, mas notas pequenas, sem destaque. O jornal fez reportagens maiores sobre os prejuízos para os alunos e pais (o que provocou a crítica de que estava sendo "tendencioso") e sobre os baixos salários dos professores, comparando-os com os de outros Estados.

O jornal tem dificuldade para valorizar o noticiário sobre ensino público municipal. A cobertura das greves em geral, e não só esta especificamente, se baseia em números: quantas pessoas participam das manifestações, percentual de aumento reivindicado, percentual oferecido pelo governo, número de escolas paradas e estudantes prejudicados, e assim vai. Não consegue aproveitar o momento tenso da greve para um mergulho na crise.
O jornal acompanha bem as grandes políticas educacionais, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao ensino municipal. O jornal está atento à qualidade das escolas privadas de São Paulo, mas o mesmo não se pode dizer em relação às públicas.

Além da cobertura diária, o jornal fez dois editoriais sobre a greve e um de seus colunistas, Gilberto Dimenstein, fez um artigo que repercutiu: "É certo uma doméstica ganhar mais do que um professor?".
Os problemas principais, na minha avaliação, são a falta de continuidade e de aprofundamento. A greve terminou no dia 12, e a preocupação com o ensino público municipal já esmaeceu. Sei que não é fácil a cobertura regular do assunto quando temos de dar atenção todos os dias a uma avalanche de outros problemas igualmente críticos. Mas, se estamos de acordo que o país tem de investir em ensino público de qualidade se quer dar o salto que todos esperam, não vejo como não priorizar o tema.

DESCASO JORNALÍSTICO
Os funcionários da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estão em greve desde 21 de fevereiro. A primeira notícia que encontrei na Folha foi uma nota curta na coluna "Mercado aberto" de 31 de março, 38 dias após o início do movimento.

No dia 1º de abril, o caderno Cotidiano publicou outra nota, "Greve na Anvisa afeta estoque de remédios". O caderno Dinheiro entrou na cobertura para acompanhar os danos, em milhões de dólares, no porto de Santos: "Prejuízo com greve em Santos é de US$ 50 mi" (4/4) e "Perda com greve de fiscais em Santos passa de US$ 80 mi" (15/ 4).

No domingo, 16 de abril, o jornal recebeu um puxão de orelha de um de seus colunistas, Janio de Freitas: "Não só de violações de sigilo e do decoro parlamentar se fazem, hoje em dia, as investidas contra o interesse geral, nos seus sentidos tão variados e tão pouco bem percebidos. A exemplificação é farta. Por descaso jornalístico ou por motivo que desconheço, jornais e TV têm ignorado um fato de relevância: você sabe que já chega a dois meses a greve no setor de fiscalização da Vigilância Sanitária federal?" Ficou evidente o descaso, e a reação foi imediata. Na terça-feira, dia 18, foram publicadas uma reportagem em Dinheiro, sempre com foco no porto de Santos ("Prejuízo com greve em Santos sobe"), uma nota com a opinião contrária à greve do presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, e uma reportagem em Cotidiano: "Paralisação de 56 dias afeta estoques de contraceptivo". As poucas reportagens publicadas mal mencionaram as reivindicações dos grevistas e as negociações com o governo.

O jornal editou, nos dias seguintes, duas cartas de leitores e um editorial ("Greve irresponsável"), todos contra o movimento, e uma reportagem. E foi tudo que a bronca do colunista havia provocado até sexta-feira. Mas a questão principal continuava sem resposta: como uma greve com essas conseqüências dura tanto tempo e não tem a atenção do governo, nem da imprensa?


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