Folha de S. Paulo


A perseguição da mídia

O jornal "O Globo" publicou a primeira reportagem, no domingo passado, e a Folha acompanhou, nos dias seguintes. Segundo o diário do Rio, empresas relacionadas pelo PMDB como doadoras da pré-campanha de Anthony Garotinho à Presidência não funcionam nos endereços declarados.

Era a ponta de um caso que foi sendo destrinchado ao longo da semana. Na terça-feira, a Folha informou que uma das empresas doadoras tinha tido como sócio-fundador um assaltante que está preso. No dia seguinte, o jornal trouxe a informação mais importante: os financiadores apresentados pelo PMDB são ligados a um instituto -contratado sem licitação- que presta serviço ao governo do Estado do Rio. Os dois jornais continuaram investigando as empresas e descobriram novas conexões entre os doadores e a contratação de serviços sem licitação.

Na quinta-feira, Garotinho assim se defendeu: "Tudo isso que vem acontecendo é uma perseguição contra mim desde que eu cresci nas pesquisas. Meus adversários, que são poderosos, como os bancos e as Organizações Globo, têm feito uma perseguição implacável para ver se recuo". E acrescentou: "Por que ninguém está questionando quem pagou o avião no qual o Alckmin veio ontem a Brasília?".

Tomei essa cobertura e as declarações do peemedebista como exemplos porque contêm questionamentos sérios e comuns em relação à imprensa.
Os jornais têm razão, na minha opinião, quando despendem esforços para desvendar as caixas-pretas dos financiamentos eleitorais, fonte mais freqüente de corrupção na política.

A falta de vontade do Congresso para criar regras e punições para os financiamentos ilegais, para o uso de caixa dois e para o desvio de recursos públicos para campanhas eleitorais exige da imprensa brasileira um trabalho contínuo e especializado. Está provado que este é um dos focos mais resistentes de corrupção. Garotinho tem razão, portanto, quando pede mais investigações.

Mas ele tem razão quando se queixa de perseguição?
Garotinho não foi o único político a reclamar da imprensa nas últimas semanas. Já tinha citado em outra coluna reclamação mais polida do tucano Geraldo Alckmin diante do noticiário negativo sobre a sua gestão no governo paulista: "O interessante é que tudo isso apareceu depois que virei candidato a presidente. Uma coisa totalmente oportunista".

Nesta semana, a senadora petista Ana Júlia Carepa usou argumentos semelhantes para responder à CPI da Biopirataria, que pediu ao Ministério Público Federal o indiciamento de cinco petistas acusados de montar, em 2004, no Pará, um esquema para arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais municipais por meio de liberação irregular de madeira. "Quando o Lula sobe nas pesquisas, infelizmente vêm as acusações."

O ataque mais violento da semana veio de outro petista, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu. Ele também se queixou da "perseguição" que estaria sofrendo: "Só no período da Oban, do DOI-Codi [referências aos órgãos de repressão da ditadura militar], a imprensa brasileira desceu tanto como está descendo neste momento da vida política nacional".

O fato de políticos de partidos adversários e com interesses eleitorais antagônicos atacarem a imprensa não é em si uma evidência de equilíbrio na distribuição de denúncias nem significa que ela esteja cumprindo bem o seu papel de fiscalização.

Como já assistimos em outras ocasiões, a disputa necessária entre os meios de comunicação muitas vezes resulta na publicação de informações incompletas ou erradas. Mas é certo também que muitos políticos e partidos usam o argumento da perseguição para tentar neutralizar a ação da imprensa.

A campanha eleitoral mal começou, mas já está evidente que a imprensa continuará no meio do furacão. É bom que ela seja questionada. Isso vai exigir mais pessoal preparado para as investigações jornalísticas e mais atenção nas edições. Uma combinação de cautela e eficiência, sem se deixar intimidar.


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