Folha de S. Paulo


O espaço das idéias

Os jornais estão cobrindo o conturbado cenário nacional com o foco em dois aspectos: as acusações de corrupção, bem como as investigações que elas suscitam, e a crise política do governo Lula.
Cobrem bem? Caminham com dificuldades naturais na investigação jornalística (sempre difícil quando se trata de corrupção), dependem quase completamente das doses regulares de acusações administradas pelo deputado Roberto Jefferson e pecam, seriamente, na minha opinião, quando relutam em abrir espaço para as versões dos acusados.

Tratei disso na Crítica Interna de quinta-feira. É inexplicável que a Folha, tendo feito a terceira entrevista com Jefferson na noite de terça-feira para publicá-la na edição de quinta, não se tenha disposto, na quarta, a checar algumas informações passadas com tantos detalhes e a ouvir os deputados e funcionários do governo envolvidos nas novas denúncias sobre Furnas. Seguramente não faltaram tempo nem equipe para esse trabalho de checagem e para as entrevistas.

Esses procedimentos deveriam fazer parte da rotina do jornal e, nesta altura da cobertura, não vejo argumentos que possam justificar esquecê-los. A exposição destacada das várias versões para os casos que ainda estão obscuros é um direito dos acusados e dos leitores.

O TERCEIRO ASPECTO
Há, entretanto, um terceiro aspecto desta crise que tem sido mal trabalhado ou, simplesmente, deixado de lado, que é a avaliação da sua origem e das suas raízes institucionais, assim como o debate que a busca de saídas para a governabilidade e a transparência engendra.

O papel dos jornais estará completo quando, além de relatarem e investigarem, se dispuserem a abrir suas páginas para o debate regular sobre o futuro do modelo político que estamos construindo. Não é um debate acadêmico, embora assim pareça por estar hoje restrito aos colunistas, aos articulistas e às edições especiais de fim de semana.
O Congresso está prestes a aprovar o que vem sendo chamado de reforma política, que abrange quatro pontos: fidelidade partidária, lista fechada de candidatos, cláusula de barreira para limitar o número de partidos e financiamento público de campanhas.

Não há consenso sobre esses assuntos. Há, no entanto, uma impressão generalizada entre os que acompanham a cena política brasileira de que esses pontos não resolverão os problemas de governabilidade e, menos ainda, os de corrupção e de impunidade.

A Folha já deu a sua opinião sobre a reforma que está para ser aprovada. O título do editorial do domingo, dia 26, resume o que o jornal defende: "Reforma equivocada". Isso não significa, no entanto, que o jornal deva relegar o debate. Ao contrário. Esta é a hora de abrir suas páginas para um debate sistemático, aprofundado e, principalmente, pluralista sobre o país.

A discussão está restrita, até agora, aos artigos de sábado publicados na seção "Tendências/ Debates", às "Entrevistas da 2ª" e, esporadicamente, ao caderno Mais! (como foi no domingo passado) ou a algum debate especial em Brasil. É pouco, porque não abarca o conjunto de problemas que está em jogo nem a diversidade de diagnósticos, análises e sugestões disponíveis.

Não me refiro apenas a dar espaço às opiniões dos especialistas e dos políticos, mas a contemplar os movimentos e organizações sociais e a trazer o cidadão comum, o leitor do jornal, para a discussão. A decepção com a política e com os políticos não é uma novidade entre nós. Mas não há dúvida de que a frustração e o ceticismo aumentaram com os últimos escândalos. A sensação de que está tudo errado e de que nada dá certo transforma-se rapidamente na certeza de que não há solução.

Os meios de comunicação têm a obrigação de investigar com rigor e de cobrir com lupa os bastidores da crise, mas esses deveres não devem servir de pretexto para deixar em branco o espaço do debate e das idéias.


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