Folha de S. Paulo


Tão perto, tão longe

A política externa do governo Lula tem dado uma importância à América Latina a qual os jornais brasileiros não estavam acostumados. Nossas atenções estiveram sempre voltadas para a Europa e para os Estados Unidos e quase nunca para os vizinhos.

O périplo da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, pelo Brasil, pelo Chile e pela Colômbia, os enfrentamentos entre a Venezuela de Hugo Chávez e os Estados Unidos de George Bush e a destituição do presidente do Equador, Lúcio Gutiérrez, deram, nos últimos dias, um destaque inusitado para os problemas da região. Mas essa atenção não deve durar.
Vejo problemas estruturais na cobertura, todos antigos.

Primeiro, a irregularidade. Como o tema não é prioritário, as coberturas não têm continuidade. Elas surgem praticamente do nada e desaparecem sem explicação. O jornal não tem um acompanhamento contínuo dos países da região e por isso é surpreendido pelas crises. E o leitor não consegue entender porque aquele assunto, que nem existia, de repente virou o tema mais importante do jornal.

A crise do Equador vem de longe, mas a causa imediata da queda do presidente foi a dissolução da Suprema Corte na sexta, dia 15. O fato não mereceu mais do que uma pequena nota na Folha de sábado. O jornal dá destaque para a crise no domingo ("Equador mergulha em nova crise política"), mas na segunda ela já tinha virado novamente uma nota pequena. O assunto volta na terça e desaparece na quarta. Na quinta, dia 21, é a manchete do jornal: "Presidente do Equador é destituído".

Nesta semana, tivemos outro exemplo. Na terça, na quarta e na quinta o jornal deu, acertadamente, grande visibilidade à visita de Rice ao Brasil e aos assuntos latino-americanos correlatos, como a crise no Equador e a relação tensa entre a Venezuela e os Estados Unidos. Na sexta, a cobertura foi pífia.

O jornal deixou de noticiar informações relevantes como a visita de Rice à Colômbia, o fracasso da intervenção bilionária dos EUA na repressão à produção de drogas em território colombiano e o encontro de Chávez e Fidel Castro em Cuba.

Os outros problemas são decorrência da cobertura descontínua. Como o assunto não é prioritário, o jornal não consegue manter um corpo de jornalistas especializados e as coberturas são improvisadas.
A Folha tem hoje apenas um jornalista na região, a bolsista sediada em Buenos Aires. Essa escassez de correspondentes reflete o pouco interesse na América Latina e a falta de investimentos do jornal. Decorrência natural dessa situação é a total dependência em relação às agências internacionais, que também priorizam os EUA e a Europa, bem como a lentidão para perceber a gravidade dos fatos. A Folha, por exemplo, demorou a deslocar uma repórter para Quito.

O Haiti é um problema diferente. A imprensa brasileira viveu um surto de orgulho patriótico quando o governo enviou tropas para aquele país. Todos os sinais, agora, indicam que a intervenção se torna um problema sério para o Brasil. A revista "IstoÉ" já fez uma reportagem a respeito, a Folha também, mas nenhuma deu a dimensão que o assunto exige. Faltam os investimentos e o entusiasmo jornalísticos que marcaram a cobertura do embarque das tropas.


Endereço da página: