Folha de S. Paulo


Caminhos para a reportagem

Algumas fórmulas da cobertura jornalística estão esgotadas. São repetitivas, previsíveis e nada acrescentam à compreensão dos fatos.

Um exemplo é a cobertura da política partidária. Ela, em geral, é chata porque dá muito destaque às fofocas de gabinetes e manobras palacianas, valoriza as aspas e as informações sem fontes identificadas e segue a agenda do mundinho político, que raramente coincide com os interesses dos eleitores.
É raro os jornais romperem com essas fórmulas gastas.

Tivemos um caso ao longo da semana e, infelizmente, não foi na Folha, mas em um de seus concorrentes, "O Globo". Desde domingo, o jornal publica uma série sobre a evolução patrimonial de 113 deputados com mandato na Assembléia Legislativa do Rio desde 1996. Embora esse tenha sido um período de crise econômica e de perda de poder aquisitivo, 80% deles ficaram mais ricos.

Uma coisa é o senso comum imaginar que um dos caminhos mais fáceis no Brasil hoje para enriquecer seja obter um mandato parlamentar. Outra é comprovar com documentação.
Durante quase quatro meses, sete repórteres do jornal analisaram as declarações de bens que a lei obriga os deputados a entregar ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) quando se candidatam. São, portanto, documentos oficiais e públicos. As reportagens não revelam enriquecimento ilícito, roubo ou corrupção. Mas mostram como um cargo público ajuda no crescimento do patrimônio.
Esse tipo de levantamento não é novidade. A Folha já fez isso antes, assim como outros diários e revistas. É do jornal uma das iniciativas mais importantes na área, o site Controle Público (www.controlepublico.com.br), organizado pelo repórter Fernando Rodrigues e que consiste num banco de dados com mais de 10 mil informações oficiais sobre políticos brasileiros.
O que diferencia o trabalho do "Globo" nesse caso é a sua extensão, por abranger a totalidade dos deputados estaduais.

Os jornais precisam escapar das armadilhas que o noticiário cotidiano lhes reserva e buscar novos caminhos para a cobertura. Para isso, são necessários três requisitos, nem sempre disponíveis: iniciativa, tempo e profissionais bem preparados.

É possível que reportagens como as do "Globo", se não forem bem-feitas, pareçam apenas moralistas. Mas, bem documentadas, são um serviço que os jornais prestam aos seus leitores porque os ajudam a refletir sobre o voto. E o momento é este, com a eleição para prefeitos e vereadores que se aproxima.

OS MORTOS DE BENFICA
Também na cobertura policial os jornais precisam ter mais iniciativas. Raramente conseguem fugir do noticiário descritivo de crimes e violência, baseado apenas em fontes policiais anônimas e manipuladoras.

Um bom exemplo de iniciativa para romper esse cerco foi a tomada pela Folha na edição de 3 de junho, em que continuava a acompanhar o massacre ocorrido na Casa de Custódia de Benfica, no Rio. A rebelião havia terminado com um saldo de 30 mortos.

A versão que predominou foi a do ajuste entre duas facções criminosas, o Comando Vermelho, que tomou o presídio durante a rebelião, e o Terceiro Comando, dominado e massacrado.
A reportagem da Folha conseguiu levantar informações sobre dois dos mortos então identificados e mostrou que nem deveriam estar naquela prisão. Um deles fora condenado por tentativa de furto, e o outro, um morador de rua, por danos contra o patrimônio público. O levantamento da Folha mostrou distorções do sistema penitenciário que não tinham sido aventadas.

Esperava que o jornal fosse dar seqüência e explorar melhor aquele veio novo que tinha descoberto. Conhecer os mortos e suas histórias era um caminho possível para fugir das versões desencontradas. Mas não foi o que aconteceu. O jornal simplesmente abandonou o caso.

"O Globo", não. Seus repórteres continuaram o trabalho paciente de apuração de cada um dos 20 identificados, e o jornal publicou, 15 dias depois da Folha, a história daqueles mortos: 17 tinham praticado crimes menores, dois eram acusados de homicídio e um de assalto à mão armada; três tinham sido moradores de rua e três tinham sido presos com pequenas quantidades de maconha e acusados de tráfico. Pelas fotos, todos eram negros ou mulatos. É bem possível que, na maioria, eles tenham virado soldados do TC dentro da cadeia.

Nesse caso, vale para a Folha o ditado do futebol: quem não faz leva.


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