Folha de S. Paulo


Incinerar lixo é retrocesso ambiental e social

Danilo Verpa - 29.set.2015/Folhapress
CAIEIRAS - SP - 24.09.2015 - Vista do aterro sanitario em Caieiras. Lixo de cidades paulistas viaja ate 200 km para ser depositado em aterros em outros locais, ja que nao possuem aterros sanitarios proprios. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO)
Caminhão despeja lixo em aterro sanitário de Caieiras, a 35 km do centro de São Paulo

A companhia de saneamento básico de São Paulo quer incinerar lixo da cidade. Em entrevista recente, o presidente da Sabesp, Jerson Kleiman, expôs ideia de expansão dos negócios mirando explorar a área de resíduos sólidos e obter com eles energia para a empresa cuidar do esgoto. Disse que pretende usar a incineração como alternativa ao envio de resíduos aos aterros sanitários.

Apesar de ser apresentada como segura, não há nada de limpo na queima do lixo. A técnica da incineração é extremamente perigosa, cara e vai na contramão da sustentabilidade. Ela é contestada pelos ambientalistas por causa das emissões de poluentes e pelo retrocesso que representa em relação aos processos de reciclagem, base da economia circular, que reinsere na cadeia produtiva os resíduos gerados pelo consumo.

O lobby pela construção de incineradores é considerado pelos especialistas da área como muito poderoso. Para combatê-lo, há 17 anos formou-se uma aliança internacional de ONGs que atua hoje em 90 países, a Gaia, que monitora problemas de poluição e contaminação causados em usinas de queima de lixo.

A Gaia trabalha para aprovar políticas de redução de desperdício, promover a reciclagem e a compostagem, soluções alinhadas com os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU e políticas de proteção contra as danos das mudanças climáticas.

Para comentar a ideia de incinerar lixo na maior cidade brasileira, consultei duas das mais destacadas pesquisadoras sobre resíduos sólidos do país, as especialistas Elisabeth Grimberg e Gina Rizpah Besen.

"A proposta é equivocada e está na contramão da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da sustentabilidade e do conceito e da prática do lixo zero. Queimar resíduos significa destruir recursos naturais e não assumir que a sociedade deverá produzir uma quantidade de resíduos cada vez menor, ou ainda sinaliza que se pode desperdiçar e gerar à vontade, pois tudo se resolve com sua queima", argumenta Gina Rizpah Besen, doutora em Saúde Pública pela USP e consultora de gestão de Resíduos Sólidos.

"O impacto ambiental é um dos pontos mais frágeis e problemáticos da incineração. Ela gera cinzas tóxicas e escória que devem ser acondicionadas e dispostas em aterros especiais com gerenciamento complexo para monitoramento de emissões. Os incineradores são a maior fonte de poluição por mercúrio, prejudicando as funções motora, sensorial e cognitiva, além de fonte de poluição por metais pesados. Outros poluentes são hidrocarbonetos halogênicos, gases ácidos, que são percursores da chuva ácida; partículas que prejudicam as funções pulmonares; e gases que provocam o efeito de estufa", diz Elisabeth Grimberg. Ela coordena a área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis e atuou no projeto Litoral Sustentável para 13 municípios do litoral paulista.

"A incineração é a mais cara tecnologia de tratamento de resíduos urbanos. Além disso ao queimar-se resíduos, há imediatamente a deresponsabilização do setor privado pelo retorno dos resíduos recicláveis - 30% de tudo que é gerado pela população diariamente - à cadeia da reciclagem. E quem pagará a conta pela instalação, operação e manutenção dos equipamentos de queima? Os cofres públicos, ou seja, a população", aponta Elisabeth.

Rizpah lembra que o tema da incineração foi discutido durante a elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da cidade de São Paulo (PGIRS): "A sociedade já se posicionou contra a incineração e a favor de outras práticas mais sustentáveis. A elaboração do PGIRS contou com a participação de milhares de cidadãos paulistanos de todas as regiões da cidade, catadores de materiais recicláveis, consultores e técnicos da melhor qualidade em seu processo de elaboração".

Para ela, "é necessário dar continuidade as ações do PGIRS, com coleta seletiva eficiente e com integração e remuneração de catadores de materiais recicláveis, coleta do orgânico de feiras para compostagem, implementar a coleta diferenciada dos orgânicos, e a instalação de unidades de tratamento em Ecoparques, com tratamento do residuo organico por biodigestao anaerobia, transformando-o em biogas e biofertilizante".

"Cidades progressistas e que miram a sustentabilidade como Nova York, e Boulder no Colorado e São Francisco, referência mundial com 85% de taxa de reciclagem, nem querem ouvir falar em incineração. Muitas cidades, nos Estados Unidos, e em outras partes do mundo, se endividaram devido aos seus incineradores e têm dificuldades em mantê-los", diz Rizpah.

Rizpah elenca outro tipo de soluções: "precisamos avançar na direção da não geração pela indústria, da responsabilidade compartilhada de fato da indústria pela logística reversa das embalagens e produtos que coloca no mercado e de iniciativas, políticas e instrumentos econômicos para aumentar a reciclagem de materiais descartados". Exemplos concretos estão em inciativas na Itália, na Suécia e na França. "Na Itália, restaurantes que doam comida têm desconto em imposto. Na Suécia, incentivos financeiros são dados para quem optar por consertar objetos antigos em vez de jogá-los fora, e, na França, supermercados são proibidos de jogar alimentos fora. Toda redução de desperdício deve ser incentivada e a incineração não vai nesta direção", acrescenta Rizpah.

Do ponto de vista social, as iniciativas que prevêem reciclagem são muito mais proveitosas que a incineração. "A coleta seletiva e a reciclagem criam mais empregos por tonelada de lixo do que qualquer outra atividade, produzindo um fluxo de materiais que pode servir de matéria prima para a indústria. Ainda não temos uma coleta seletiva em todos os municípios brasileiros e muito menos eficiente, o que acontece em outros países de referência como o Japão ou a Dinamarca, portanto queimar resíduos em incineradores não é uma boa alternativa para nós", finaliza Rizpah.

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SETE MITOS SOBRE A INCINERAÇÃO

Elisabeth Grimberg elenca e destrincha sete mitos sobre a incineração, usados por quem defende a prática:

1- A incineração de resíduos é fonte de energia renovável: Mito. Queimar resíduos para produzir energia produz uma demanda por gerar mais resíduos e é um obstáculo ao enorme esforço de reciclagem, possível para cerca de 30% dos materiais produzidos. Resíduos são produzidos continuamente pela lógica de um sistema econômico que estimula a demanda por novos objetos, projetados para serem inviabilizados em seu uso prolongado. É ilógica a queima de resíduos orgânicos passíveis de compostagem, que produziriam composto para ser usado em parques, áreas verdes e de proteção ambiental.

2- Os incineradores modernos têm filtros e dispositivos de lavagem de gases que eliminam a poluição: Mito. Todos os incineradores comportam um risco alto para a saúde e o ambiente da população. Mesmo os que utilizam tecnologia de ponta emitem diversas minúsculas partículas, substâncias tóxicas, dioxinas e furanos, além de outros compostos que se formam pela queima e que devem ser capturados. Essas substâncias são biocumulativas, ou seja, acumulam-se no ar que respiramos, não vão para "fora" do planeta.

3- Os incineradores modernos reduzem as emissões de gases de efeito de estufas: Mito. Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, os incineradores com "valorização energética de resíduos" dos aterros sanitários têm níveis de emissão de gases de efeito estufa muito mais altos e consomem muito mais energia do que reduzir a produção de resíduos e promover a reutilização e reciclagem dos mesmos.

4 - Os incineradores modernos produzem energia de forma eficiente: Mito. Todos os incineradores são um enorme desperdício de energia. Como os resíduos têm um poder calorífico baixo, os incineradores conseguem capturar pouca quantidade de energia, destruindo nesse processo grandes quantidades de materiais reutilizáveis.

5- A instalação de incineradoras é fonte de emprego: Mito. Os incineradores têm custos de inversão enormes e como contrapartida oferecem muito menos postos de trabalho que a reciclagem.

6 - Os incineradores são uma opção de gerenciamento de resíduos economicamente rentável: Mito. A incineração é a mais cara tecnologia de tratamento de resíduos urbanos. Além disso, ao queimar-se resíduos, há imediatamente a desresponsabilização do setor privado pelo retorno dos resíduos recicláveis –*30% de tudo que é gerado pela população diariamente– à cadeia da reciclagem. E quem pagará a conta pela instalação, operação e manutenção dos equipamentos de queima? Os cofres públicos, ou seja, a população.

7 - A incineração é compatível com a reciclagem: Mito. Os incineradores competem com os programas de reciclagem pelos mesmos materiais. O uso de fundos públicos para cobrir seus altos custos de instalação e manutenção reduz e em muitos casos elimina a possibilidade de investir em soluções sustentáveis e reais.


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