Folha de S. Paulo


Coalizão contra fracking do solo tem primeira vitória estadual no Paraná

Bartek Sadowski/Bloomberg
Workers prepare pipes used in the drilling of shale gas at a rig operated by Exalo Drilling SA, the oil and gas exploration unit of Poland's PGNiG, also known as Polskie Gornictwo Naftowe I Gazownictwo SA, in Lubocino, Poland, on Wednesday, Oct. 9, 2013. San Leon Energy Plc., an oil and gas explorer with four licenses in Spain, said some of the shale it's studying is comparable to rock in Poland, where it's a leader in using hydraulic fracturing, or fracking. Photographer: Bartek Sadowski/Bloomberg ORG XMIT: 184228896 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Trabalhadores preparam tubos que serão usados para o transporte de gás de xisto na Polônia

Na última semana, o movimento que luta contra o uso da técnica de fracking (fraturamento) para exploração do gás no Brasil obteve sua primeira vitória no âmbito dos Estados. Em dezembro último, havia sido sancionada a lei que suspende por dez anos a atividade no Paraná. E, no último dia 8 de março, foi mantido, pela Assembleia Legislativa do Estado, o veto ao artigo terceiro dessa lei, que permitia ainda testes e pesquisa sísmica.

Um terço das reservas brasileiras de gás está na Bacia Sedimentar do Paraná, a maior em volume, que atinge os Estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E 42% da água consumida no Paraná é de fontes subterrâneas.

O fracking é uma técnica para explorar o gás de xisto, ou gás de folhelho. Para obter o gás, é usada uma sonda que perfura o solo na vertical até determinada profundidade e depois vira 90 graus e segue subterrânea e paralela à superfície.

Através dessa sonda, são injetados com forte pressão água e mais de 500 produtos químicos, muitos deles tóxicos, alguns radiativos e cancerígenos. A pressão provoca miniterremotos, as rochas se quebram e o gás é expelido, voltando pelo caminho aberto pela sonda e sendo então capturado. Torres com uma chama no topo indicam a exploração de uma área.

O problema é que, nesse processo, há contaminação dos lençóis de água subterrâneos e também dos rios onde são lavados os equipamentos das usinas. Há casos notórios de danos para populações, plantações e rebanhos em áreas próximas às zonas de exploração do gás na Argentina e nos Estados Unidos, só para dar dois exemplos.

"Na Argentina, fazendas produtoras de frutas como maçã, pera e pêssego sofreram contaminação de água que arruinou a produção de mais de 65 mil agricultores", conta Juliano Bueno de Araújo, doutor em engenheira ambiental e coordenador da Coalizão Não-Fracking Brasil (Coesus). "Depois disso, o Chile lançou um selo "frack-free" e garantiu a expansão de suas exportações de frutas, o que mostra que além do dano ambiental, é muito forte o dano econômico", diz.

Nos documentários "Gasland", de 2010, e "Gasland II", de 2013, o diretor Josh Fox conta histórias de comunidades nos Estados Unidos com problemas de saúde por causa da água e do ar poluídos e narra a experiência de proprietários de terras onde há reservas de gás, alvos de grandes companhias exploradoras.

Cenas com água pegando fogo, devido à presença do gás metano, viraram a marca registrada da campanha que gerou um clipe com a música-lema "Don't Frack My Mother", com aparições de Yoko Ono, Sean Lennon, Liv Tyle e Susan Sarandon pedindo a proibição do fracking no estado de Nova York em 2013.

O movimento contra o fracking no Brasil atua em três frentes: federal, estadual e municipal. No âmbito federal, apoia o projeto de lei 6904, de 2013, de autoria do então deputado Sarney Filho, hoje ministro do Meio Ambiente, que pede a suspensão da exploração. Também está em tramitação a PL 4.118, de 2015, do deputado Marcelo Belinati (PL), pedindo a proibição do fracking no país.

No âmbito estadual, o Paraná acaba de sancionar e regulamentar a lei, em Santa Catarina um projeto está tramitando e há discussões nas Câmaras do Maranhão, do Piauí, do Ceará e de São Paulo.

Na esfera municipal, são 286 municípios que já aprovaram suspensão ou proibição do fracking. As leis municipais procuram cercar o tema em três frentes : proibindo a outorga de água de superfície para a exploração de gás não convencional, o que inibe a exploração econômica; proibindo o trânsito de veículos, equipamentos, produtos químicos e radiativos para exploração e exportação nas estradas municipais e proibindo a emissão de alvarás para novos poços de exploração.

Segundo Araújo, o movimento se firmou em 2012 logo após o anúncio de um leilão de gás não convencional pelo governo federal. A primeira ação foi contestar judicialmente o leilão argumentando não haver segurança tecnológica para as operações do tipo. Em 2013, começou a centrar seus esforços na mobilização municipal de cidades do Piauí, Maranhão e Amazonas.

A Coesus tem como parceira a 350.org Brasil e sindicatos rurais e de trabalhadores, cooperativas, lideranças políticas, religiosas e acadêmicas, gestores públicos e parlamentares.

Ela se conecta principalmente com associações semelhantes nos países do Mercosul, para trabalhos na defesa da integridade do Aquífero Guarani, segunda maior reserva de água doce, que atinge Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

"O fracking é o que há de mais sujo para sustentar uma indústria que não devia mais estar por aqui. Coloca em risco a segurança hídrica, alimentar e traz danos à saúde de muitas formas", diz Araújo. "Estamos em transição energética para diminuir as emissões de carbono. O bom caminho é o oposto ao do fracking. O Brasil tem potencial para ser o maior do mundo em biogás", afirma.

"A Austrália, maior rebanho bovino do mundo, suspendeu o fracking", relata Araujo. "Nos Estados Unidos, a guerra do fracking continua" conta Araújo. O lobby das empresas de exploração é enorme. Uma delas, a megamultinacional Halliburton, teve como CEO de 1995 a 2000 Dick Cheney, ex-vice-presidente do governo Bush, considerado um dos vices mais poderosos da história dos EUA.

No Brasil, a campanha segue. Há mais 14 estados brasileiros vulneráveis à exploração com o método. Estão em vigor contratos para pesquisa sísmica que medem reserva de petróleo e identificam áreas ricas em gás. Segundo Juliano, as pesquisas geram terremotos induzidos que provocam rachaduras nas edificações, impactam a piscicultura, estressam as pessoas e os animais e geram informações para embasar as explorações.

Áreas das bacias onde ocorrem as reservas importantes de xisto no Brasil

Gás Xisto


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