Folha de S. Paulo


Circuito curto entre a terra e o prato é bom para a saúde e para o bolso

Se a gente é o que come –e os estudos sobre a microbiota, a população colossal de micróbios que mora no corpo humano, vêm dando força renovada a essa tese– parece justo saber de onde vem e poder escolher o que mandamos para dentro todo dia, não?

Pois. Você come embalagem? Você come marketing? Se estiver tentado a repensar essas duas linhas da planilha de custos da sua comida, há cada vez mais opções.

Na busca por comida saudável, que inclui o repúdio pelos agrotóxicos e o apoio ao uso dos fertilizantes vindos da compostagem de resíduos orgânicos, vem crescendo no Brasil a rede de Grupos de Consumo Responsável.

São organizações de consumidores que querem conhecer e atuar no modo de plantio e cultivo de seus alimentos. Para isso, estabelecem relações diretas com os produtores.

O primeiro grupo identificado pelo Instituto Kairós, que estuda o tema e atua no fomento de iniciativas do tipo, nasceu em 1986. Mas a maior parte dos grupos foi fundada a partir dos anos 2000. Já foram realizados três encontros nacionais desses grupos.

Seu principal meio de comunicação é a internet. O fornecimento é por meio de listas abertas ou cestas semanais, com produtos sazonais. Formas de pagamento variam.

Juliana Gonçallves, 31, administradora de formação e há 4 anos atuando no Kairós, onde hoje é coordenadora de projetos, diz que o sistema barateia os orgânicos. "O que encarece o orgânico é a cadeia longa entre o produtor e o consumidor. O preço vem da distribuição. Para comer bem, podendo verificar a origem, e baratear os custos, a cadeia curta proporcionada pelo grupo de consumo é uma solução", afirma.

Os grupos são um modo de "tornar a alimentação um ato político" e "reconectar campo e cidade", diz. É um exercício de cidadania, conclui. "Mas não é supermercado. Para participar, você tem que estar interessado no processo todo", avisa.

O Instituto Kairós mapeia em seu site 25 núcleos no Brasil e também produziu uma cartilha para quem quer formar grupos de consumo, com dicas de logística, formação de preços, organização. Tudo no site Instituto Kairós

Outro formato de organização que une consumidores e produtores são os núcleos de Agricultura Apoiada pela Comunidade, as CSAs (de Community-supported Agriculture ou Community-shared Agriculture). São definidas como parcerias locais e solidárias para a produção de alimentos. Nelas, os consumidores apoiam financeiramente o cultivo, literalmente, faça chuva ou faça sol.

Os agricultores demarcam uma parte de suas terras que será usada para as culturas custeadas pela associação. Um grupo fixo de consumidores se compromete por um período de tempo fixo (tipo um ano) a cobrir os custos da produção e recebe semanalmente em troca os alimentos produzidos. Os participantes do grupo podem conhecer as unidades produtivas, plantar, colher e cuidar dos animais.

A associação que reúne as CSAs brasileiras nasceu em 2011 para impulsionar esse modelo e ajudar a formatar projetos do gênero. Entre os objetivos estão evitar as monoculturas e apoiar a agricultura familiar na transição dos terrenos para o cultivo ecológico.

Há algumas inspirações para as CSAs. Uma veio do sistema japonês teikei, que se desenvolveu nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela preocupação ambiental dos consumidores e pela desconfiança em relação à produção de alimentos. O teikei já nasceu organicamente associado, com o perdão do trocadilho, à produção de pequena escala e em cadeia curta, à agricultura biológica e às parcerias entre produtores e consumidores com uma parcela significativa de trabalho voluntário.

Já o nome CSA é atribuído ao agricultor Jan Vander Tuin, que fez uma experiência em agricultura apoiada pela comunidade nas proximidades de Zurique, na Suíça, nos anos 1980, seguindo orientações da agricultura biodinâmica, que bebe nas ideias da antroposofia de Rudolf Steiner.

A forma de organização foi difundida pelos praticantes da agricultura biológica em expansão nos Estados Unidos nos anos 1990 e 2000.

Hoje as CSAs estão em vários países, abastecendo também mercados de grandes cidades. Na Califórnia, a Farm Fresh to You, fundada em 1992, tem parcerias com restaurantes, mercados e lojas de Los Angeles, mas se mantém fiel ao sistema de CSA, promovendo conexões entre os agricultores e os consumidores, com passeios e plantios coletivos. Mais antiga, a Angelic Organics, fundada em 1990, fornece legumes e ervas orgânicos locais em cestas para a região de Chicago, com o sistema participativo.

Existem núcleos de CSA em vários Estados do Brasil. A organização brasileira é conectada à rede Urgenci internacional. Dá para localizar as 60 comunidades num mapa no site da Associação CSA Brasil


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