Folha de S. Paulo


Lixo: Retalhos, brechós e novos velhos materiais

Tirar da rota dos aterros sanitários mais de 12 toneladas de restos de tecido que são dispensados todo dia pelas 1.700 confecções dos bairros do Brás, Mooca e Bom Retiro é a meta do Retalho Fashion. O programa, que vem sendo proposto desde 2012, teve acordo finalmente assinado este mês entre o sindicato das empresas têxteis (Sinditêxtil) e a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), para operar no segundo semestre de 2014.

A notícia é boa. Para a saúde geral da cidade, o programa retira das calçadas os sacos de retalhos depositados pelas confecções e afasta dos aterros todo esse material. Além disso, o Retalho Fashion pode trazer economia para as próprias empresas têxteis, gerar empregos e influenciar a indústria da moda a tomar para si a responsabilidade pelo pós consumo.

O material será coletado por caminhões e enviado a uma central, que ficará num galpão a ser construído em terreno cedido pela prefeitura nas proximidades da estação Armênia do Metrô. Cooperativas de catadores vão fazer a separação. Depois de separados por cor e tipo, os tecidos descartados podem ser usados como retalhos ou como forrações na indústria automobilística e na movelaria. Os resíduos podem virar matéria-prima para carpetes, estopa, fios e cordões.

O Retalho Fashion coloca em prática um dos modelos de logística reversa previstos na lei de resíduos sólidos brasileira, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

A logística reversa é um conjunto de ações e procedimentos destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação. A lei brasileira institui três diferentes instrumentos para sua implantação: regulamento, acordo setorial e termo de compromisso.

O programa dos têxteis também estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, outra determinação da lei atual. A responsabilidade compartilhada é o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos, reduzir impactos à saúde e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.

O Retalho Fashion também pode diminuir os gastos das empresas com a importação de retalhos do Brasil. Em 2011, o país importou 13.477 toneladas de trapos de tecidos, que são utilizados em indústrias de tecelagem, gastando US$ 13,6 milhões, segundo o Sinditêxtil.

BRECHÓS

O mundo dos brechós brasileiros desperta a atenção do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). O negócio das vendas de roupas e sapatos usados vai ser tema de um fórum de debates em São Paulo, Belo Horizonte, Rio e Brasília patrocinado pela entidade. O primeiro encontro será em São Paulo, no próximo 29 de maio.

Segundo o diretor-técnico Carlos Alberto dos Santos, especialista em políticas de desenvolvimento e conselheiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), há cerca de 10 mil empresas cadastradas no IBGE como comércio varejista de artigos usados, mas sem distinção do tipo de artigo.

Um levantamento inicial nas quatro cidades participantes do fórum apontou em torno de 300 brechós que têm sites ou endereços divulgados. "Ainda não temos estudo consolidado. O fórum quer reunir especialistas e empresários para debater desafios e oportunidades, levantar necessidades e subsidiar as ações do Sebrae", diz Santos.

Ele avalia que o processo de reciclagem está em grande expansão em todo o mundo. "O aumento da demanda por produtos sustentáveis na moda tem movimentado esse comércio nos últimos anos. Mas ainda não há dados sobre a expansão desse tipo de negócio no Brasil", diz.

"A reciclagem, tanto de tecidos quanto de roupas, representa uma das soluções mais efetivas e sustentáveis para o pós-consumo. Essa atividade proporciona o surgimento de uma nova economia baseada no descarte e reduz o impacto ambiental da indústria da moda", diz Santos.

No dia 29, participam donos de brechós Simone Pokropp, da Casa Juisi; Valéria Migliacci, do Madame La Marquise; Franz Ambrosio, do Minha Avó Tinha; a estilista Chiara Gadaleta; Alexandre Ficher, do site ficoupequeno, os consultores do Sebrae Regina Machado, Daniel Marinho, a consultora Ligia Kras e o publicitário Wagner Tamanaha. A pauta é extensa. Tamanaha, por exemplo, vai falar sobre internet e comércio de brechós, a chegada do eBay no Brasil e o sistema brasileiro de pagamento via Instagram Arco.

O segundo encontro do fórum será em Belo Horizonte, em 24 de julho, seguido do Rio, em 28 de agosto e de Brasília, em 18 de setembro. Inscrições e informações pelo endereço forumdebrechos.com.br

NOVOS VELHOS MATERIAIS

Uma mostra aberta na última quarta em Amsterdã, Holanda, exibe experiências de designers que se dedicam a explorar novas combinações e abordagens de materiais.

Matérias primas usualmente desperdiçadas são vistas sob novas perspectivas. Reciclagem, reutilização de produtos existentes e resíduos de processos de fabricação são experimentados com bases para novos produtos e processos.

Assim, restos de serragem, bexigas de animais, cascas de árvores e tênis descartados aparecem na mostra "Wasted Matter", que ocupa a galeria do Hotel Droog e é uma iniciativa da Design Column, ligada ao Museu Boijmans van Beuningen. Dois exemplos bacanas:

Divulgação
Cadeiras
Cadeiras "Well Proven", de Marjan van Aubel e Jamie Shaw

ESPUMA DE SERRAGEM

Marjan van Aubel e Jamie Shaw conseguiram obter uma espuma a partir de serragem de madeira que seria dispensada, resinas orgânicas e água. A espuma é colocada num molde onde continua a se expandir até atingir três vezes o seu volume antes de chegar a uma estrutura sólida. As cadeiras estão sendo avaliadas num programa que mede e compara os ciclos de vida de produtos manufaturados e seus impactos ambientais. Segundo os designers, entre 50% e 80% da massa de madeira é perdida no processo usual de produção de mobiliário.

Divulgação
"Invert Footwear", de Elisa van Joolen

DO AVESSO

A designer Elisa van Joolen remove as solas dos tênis descartados, vira-os do avesso e adiciona solas baratas de chinelos de borracha. A proposta é sumir com logotipos e marcas e, ao mesmo tempo, explorar os detalhes das costuras, destacando a alfaiataria do calçado, os recortes, a montagem e a parte manual do processo serial. Desta forma, além de dar uma vida nova ao objeto, ar designer pretende ressaltar o aspecto humano que a produção em massa esconde.


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