Folha de S. Paulo


Histórias de rancor e ódio

Com seis historietas independentes sobre fúria e vingança -e muito humor negro-, "Relatos Selvagens", de Damián Szifron, se tornou um fenômeno nas salas de cinema brasileiras: permaneceu em cartaz muito tempo além do esperado para uma produção da vizinha Argentina.

Para dar uma ideia da qualidade do filme, basta dizer que a parte protagonizada por Ricardo Darín, um dos maiores atores da atualidade, é a menos inventiva. Nem por isso a sequência deixa de ser sensacional: um engenheiro tem o carro injustamente rebocado e passa por uma via-crúcis para recuperá-lo -o que acarreta um atraso que agravaria sua crise conjugal e desencadeia sua reação, literalmente, explosiva.

O episódio com Darín é o mais apto a provocar a identificação do espectador brasileiro, sempre às voltas com a arbitrariedade da lei e o inferno dos trâmites burocráticos.

Também é a chave para entender o tão aclamado milagre do cinema argentino, capaz de flagrar dramas que afetam qualquer ser urbanóide do planeta, porém sem perder os traços locais: no caso, uma inteligência narrativa que resvala no fantástico e que podemos atribuir à literatura do país -essa, outro milagre.

Da mesma forma, o capítulo em que um rico empresário tenta convencer o caseiro a assumir o crime de trânsito cometido pelo filho expõe não apenas as relações de servilismo sul-americanas, mas também a microscópica rede de corrupção que, lá como cá, envolve todos os negociadores de arranjos -do advogado da família às autoridades, um tentando lucrar em cima do outro.

Sobre o episódio que abre o filme (todo passado em um avião), nada se pode dizer sem prejuízo da hilariante surpresa -a não ser que carrega o traço de humor nervoso presente em todas as outras partes do longa "Relatos Selvagens".

Uma desavença na estrada que desemboca em uma briga de proporções tão titânicas quanto ridículas.

FILME - RELATOS SELVAGENS

DIREÇÃO: Damián Szifron
DISTRIBUIDORA: Warner (R$ 39,90)

Conexões

FILME - UM CONTO CHINÊS
Darín faz o portenho que, ao acolher um chinês perdido em Buenos Aires, hesita entre misantropia e a obrigação moral -tensão presente em "Relatos Selvagens".

DIREÇÃO: Sebastián Borensztein
DISTRIBUIDORA: Paris Filmes
(2011, R$ 19,90)

LIVRO - HUMANOS NASCEMOS
Nessas charges, o criador de Mafalda expõe de modo ácido os absurdos cotidianos e as injustiças que atravessam a sociedade argentina.

AUTOR: Quino (Joaquín Lavado)
TRADUÇÃO: Eduardo Brandão
EDITORA: WMF Martins Fontes
(2010, 128 págs., R$ 39,90)

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LIVRO

O QUINZE - Rachel de Queiroz
Esta versão em capa dura, com prefácio da escritora Nélida Piñon, comemora a centésima edição do clássico regionalista cujo título remete à grande seca (igualmente centenária) de 1915. Ao abordar os dilemas afetivos e éticos do homem nordestino, a cearense Rachel de Queiroz (1910-2003) incorpora à linguagem a aridez e o fatalismo típicos de seu painel social.

José Olympio, 168 págs., R$ 42

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LIVRO

ESCRITOS AO SOL - Adriano Espínola
Essa antologia traz poemas de diferentes livros do cearense radicado no Rio de Janeiro. Do vertiginoso e futurista "Táxi" (1986) ao construtivismo de "Praia Provisória" (2006), Espínola explora diferentes veios formais, sempre com olhar severo para a realidade urbana e um lirismo rigoroso, ainda não devidamente reconhecido no panorama da literatura brasileira.

Record, 144 págs., R$ 28

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DISCO

BRAHMS: PIANO CONCERTO Nº 2; CELLO SONATA, OP. 78
Não é só na sonata para violoncelo de Brahms (transcrita de congênere para violino) que o instrumento de Yo-Yo Ma tem destaque ao lado do piano de Emanuel Ax. O deslumbrante "Concerto nº 2" (regido por Bernard Haitink) traz, no "andante", um diálogo do piano com o violoncelo que faz deste um segundo solista, num dos momentos mais líricos da história da música.

Emanuel Ax, Yo-Yo Ma, Sinfônica de Boston (Sony, R$ 56, importado)


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