Folha de S. Paulo


Álbum do quadrinista Milo Manara celebra vida e arte de Caravaggio

Dentre os gênios da história da arte, talvez nenhum tenha sido tão singular quanto Caravaggio (1571-1610). E isso tanto por sua pintura quanto pela vida de fora-da-lei, marcada por brigas, duelos e perseguições que culminaram na morte envolta em mistério.

Nascido em Milão, Michelangelo Merisi (seu nome de batismo) percorreu cidades como Roma, Nápoles e Palermo, deixando as marcas de um barroco ao mesmo tempo mundano e metafísico, mas também uma aura de personagem romântico "avant la lettre". Em resumo, o personagem ideal para Milo Manara, o quadrinista italiano que em setembro completa 70 anos e cujos álbuns produzem êxtases a partir de um sinistro erotismo.

A HQ "Caravaggio" é o mais recente trabalho de Manara, lançado há pouco na França e já com edição brasileira pela Veneta. O subtítulo original, "A Paleta e a Espada", sublinha o caráter aventureiro do artista, que chega a Roma em 1592, envolve-se em escaramuças com um proxeneta ligado à poderosa família Farnese e, conforme sua arte cai nas graças do cardeal Del Monte, conquista também o direito de portar a espada com a qual comete o crime que dará origem às suas fugas pela Itália (tema previsto para a continuação da HQ).

Na versão brasileira, o subtítulo "A Morte da Virgem" se refere ao quadro para o qual Caravaggio utilizou, como modelo, o cadáver da prostituta Anna —pivô dos confrontos do pintor no submundo romano e das cenas em que Manara explora a obscenidade característica de seus álbuns.

O desenhista equilibra o enredo entre as confusões nas quais o genial baderneiro se metia e o processo de criação de algumas das telas mais célebres de Caravaggio (como o tríptico da igreja San Luigi dei Francesi).

É espantosa a capacidade que Manara tem de dar vida aos personagens "caravaggescos": se o artista utilizava putas e maltrapilhos como modelo de suas figuras bíblicas —nelas imprimindo uma beleza violenta, desesperada—, Manara recria tais modelos a partir das telas.

De quebra, põe essas personagens para perambular por construções e ruínas nitidamente inspiradas nos trabalhos de Piranesi (grande desenhista da arquitetura de Roma), numa interpretação muito pessoal da proximidade entre o vulgar e o sublime que eternizou Caravaggio.

LIVRO

CARAVAGGIO - A MORTE DA VIRGEM ***
AUTOR: Milo Manara
TRADUÇÃO: Michele Vartuli
EDITORA: Veneta (2015, 64 págs., R$ 59,90)

*

LIVRO

CARAVAGGIO ***
O crítico e historiador de arte analisa o percurso do pintor, as influências recebidas e as exercidas.
AUTOR: Roberto Longhi
TRADUÇÃO: Denise Bottman
EDITORA: Cosac Naify (2012, 158 págs., R$ 85)

FILME

CARAVAGGIO *
Estética saturada do diretor britânico (1942-1994) descreve agonia de Caravaggio partindo do mesmo recorte biográfico que inspirou Manara.
DIRETOR: Derek Jarman
DISTRIBUIDORA: Silver Screen (1986, R$ 45,90)

-

LIVRO
A FASCINAÇÃO DAS PALAVRAS **
Autores: Julio Cortázar e Omar Prego Gadea. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht. (Civilização Brasileira, 2015, 296 págs., R$ 55)
O escritor e jornalista uruguaio Omar Prego Gadea (1927-2014) conheceu o argentino Julio Cortázar (1914-1984) em Paris, nos anos 1970. Ali, combinaram essa série de entrevistas nas quais o autor do romance "O Jogo da Amarelinha" fala da infância, de literatura, arte, cinema e de sua obsessão pelo jazz —num diálogo só interrompido pela morte do escritor.

-

DISCO

AMOR EM PAZ *
Mario Ulloa e Daniel Guedes (Rob Digital, CD, R$ 27,90)
O encontro inusual do violão de Mario Ulloa com as cordas de Daniel Guedes (violino e viola) produz arranjos intermediários entre o popular e o camerístico. O repertório, no entanto, é eclético demais: vai de Jacob do Bandolim, Tom Jobim e Vinicius de Moraes a duas danças húngaras de Brahms, passando pelo tema do filme "A Lista de Schindler", de John Williams.

-

FILME

ANTONIO VIVALDI: CELLO SONATAS **Alexandre Rocha e Ana Paula Camarinha (Biscoito Fino, DVD, R$ 32,90)
Antonio Meneses, um dos maiores violoncelistas da atualidade, interpreta sonatas de Vivaldi acompanhado pelo parceiro de instrumento David Chew e por Rosana Lanzelotte —que desempenha o baixo contínuo ao cravo e ao órgão. O registro visual, nas igrejas Nossa Senhora da Glória e do Bonsucesso (Rio de Janeiro), não impressiona tanto quanto as diabólicas harmonias do padre e compositor veneziano.


Endereço da página: