Folha de S. Paulo


Livros com fotos de William Eggleston lança olhar sobre a América profunda

Numa das primeiras fotos do livro "William Eggleston, A Cor Americana", um jovem de topete ruivo empurra um carrinho de supermercado, tendo ao fundo, desfocada, uma vetusta mulher com óculos de gatinho. Seguem-se letreiros deteriorados contra um céu azul anil, uma geladeira e um anúncio de Coca-Cola descascados.

Em outras sequências, jovens de bata branca ou camiseta temática contrastam com senhores de terno caipira ou vestidos que emulam Audrey Hepburn —com aquela melancolia de um glamour inatingido, provinciano. E há carros, muitos carros, além de neons e luzes fluorescentes, tudo com o mesmo brilho esmaecido.

O livro reúne parte das fotografias de William Eggleston expostas até 28 de junho na sede carioca do Instituto Moreira Salles, além de textos de Thyago Nogueira, John Szarkowski (que, quando curador de fotografia do MoMA, organizou exposição de Eggleston), do escritor Geoff Dyer, do crítico Richard B. Woodward e do músico David Byrne.

O líder da banda Talking Heads é um dos tantos artistas —como os cineastas David Lynch e Wim Wenders— influenciados pela esquisita beleza dessa América profunda, sulista, em que convivem conservadorismo e frenética utopia consumista. Mais interessante, porém, é pensar naqueles que exerceram influência sobre ele e que ajudam a situá-lo.

Há uma questão técnica na emergência dessa estética de cores saturadas: o fotógrafo nascido em Memphis (Tennessee), em 1939, foi pioneiro no uso autoral da fotografia colorida, até então (anos 1960) restrita à publicidade e a álbuns de família.

Eggleston usa a cor para registrar um cotidiano em que o lirismo urbano das coisas prosaicas, tão presente em Cartier-Bresson e Walker Evans (suas maiores referências), foi violentado pelo fetichismo das marcas. Mas é um fetichismo esgotado, degradado, em que o lixo contíguo aos reluzentes objetos de consumo é um elemento recorrente, assim como a sugestão de morbidez e obscenidade impressa na feição de seus retratados.

Pois, assim como o pintor Edward Hopper —cronista da solidão americana, a quem Eggleston deve sua luz e seus enquadramentos—, ele consegue extrair o sentimento do sublime de uma simples lâmpada que, contra o teto de um vermelho carnal, ilumina a opacidade dos desejos banalizados.

LIVRO

WILLIAM EGGLESTON, A COR AMERICANA *
Organização: Thyago Nogueira
Editora: Instituto Moreira Salles (156 págs., R$ 129,90)

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LIVRO

O PROBLEMA DO MAL *
Étienne Borne; tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo (É Realizações, 160 págs., R$ 34,90)
Filósofo ligado ao pensamento cristão francês, Borne (1907-1993) parte do paradoxo teológico da existência do mal num mundo criado por Deus para investigar suas consequências morais. Apesar de rebater soluções idealistas e ateístas, não é uma apologia da religião, mas uma reflexão que, a partir da mitologia e da literatura, define o ser pela angústia diante da morte.

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DISCO

O CLÁSSICO VIOLÃO POPULAR BRASILEIRO *
Sérgio e Odair Assad (Tratore; R$ 34,90)
Comemorando 50 anos de carreira, o duo de violões dos irmãos Assad interpreta repertório que vai de Canhoto (1889-1928) a Egberto Gismonti, passando pelos clássicos Villa-Lobos e Gnattali. As peças, na maioria para instrumento solo, foram rearranjadas para uma formação que materializa o cruzamento entre popular e erudito do melhor instrumental brasileiro.

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FILME

BEM-VINDO A NOVA YORK *
Abel Ferrara (Imovision, locação)
Inspirado no escândalo envolvendo Dominique Strauss-Kahn (ex-presidente do FMI), traz Gérard Depardieu como o banqueiro que, viciado em orgias, é denunciado por uma camareira de hotel. O erotismo "softcore" ganha densidade a partir do momento em que o embate do protagonista com a mulher (Jacqueline Bisset) explora a fria relação entre poder e amoralidade.


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