Folha de S. Paulo


Livro 'Pornô Chic' reúne vertente pornográfica da escritora Hilda Hilst

Em 1990, Hilda Hilst (1930-2004) começou a publicar, com "O Caderno Rosa de Lori Lamby", uma série de livros que comporiam sua trilogia pornográfica —ou "obscena", como preferem a ensaísta Eliane Robert Moraes e Alcir Pécora, organizador de suas obras completas pela editora Globo. Seguiram-se "Contos d'Escárnio/Textos Grotescos" (do mesmo ano) e "Cartas de um Sedutor" (1991).

Os três livros estão agora reunidos em um volume em capa dura que traz ainda os poemas igualmente obscenos de "Bufólicas" (1992) e de "Berta & Isabô: Um Fragmento Pornogeriátrico Rural", diálogo do livro de crônicas "Cascos & Carícias".

O sexo não estava ausente na obra anterior de Hilst, mas era um erotismo ligado a uma dimensão metafísica ou mística: o desejo como falta, desencadeando a torrente verbal de "Fluxo- Poema" e a prosa especulativa de "Kadosh" ou "A Obscena Senhora D".

A decisão de escrever "bandalheiras" foi alardeada por ela, em entrevistas publicadas ao final de "Pornô Chic", como intento de ganhar dinheiro: "Estou cagando para o reconhecimento", vociferou a Senhora HH.

Relendo esses textos, fica claro que a desbocada pornógrafa não estava satisfazendo nem "sede de nomeada" nem "erotismo pecuniário" (para usar expressões de Machado de Assis): seu negócio era uma literatura que trouxesse aquilo que antes era considerado um gênero inferior e clandestino para perturbar uma ordem literária e editorial prostituída.

Daí a profusão de cutucadas em autores canonizados e de personagens que são escritores malfadados. A começar pelo pai escritor de Lori Lamby, que não sabemos ao certo se é o autor oculto das safadíssimas memórias dessa Lolita de oito anos —mas que sabemos ser seu proxeneta.

Depois desse livro formalmente anárquico e de uma perversidade poliforma e pedófila, "Contos d'Escárnio" é mais cômico e muito mais anárquico —diário, diálogos e aforismos em que o incestuoso Crasso despreza amantes intelectualizadas e pretende instaurar a "pornocracia".

Já "Cartas de um Sedutor" é um romance epistolar, gênero em voga entre os libertinos do século 18 e início do 19 (basta lembrar "As Relações Perigosas", de Choderlos de Laclos) —uma filiação bastarda cujas blasfêmias se dirigem aos cortesãos das letras.

LIVROS

PORNÔ CHIC ***
AUTORA: Hilda Hilst
EDITORA: Biblioteca Azul (2014, 1ª edição, 276 págs., R$ 59,90)

FICO BESTA QUANDO ME ENTENDEM **
Reúne 20 entrevistas com Hilst, entre 1952 e 2002, que permitem ver a conexão entre os vários gêneros praticados pela escritora (prosa, poesia, teatro e crônica).
ORGANIZADOR: Cristiano Diniz
EDITORA: Biblioteca Azul (2013, 1ª edição, 237 págs., R$ 44,90)

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LIVRO

POR QUE A EVOLUÇÃO É UMA VERDADE **
Jerry A. Coyne; tradução de Luiz Reyes Gil (JSN, 320 págs., R$ 58)
No debate entre evolucionismo e criacionismo, o professor da Universidade de Chicago explica as teorias de Darwin e seus desdobramentos recentes. Além de rebater a "teologia natural" e a crença no "design inteligente" de um projetista celestial, mostra como "a seleção natural não é um engenheiro-chefe, mas um 'cientista maluco'".

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DISCO

BEETHOVEN: PROMETHEUS **
Orquestra Armonia Atenea (Decca; R$ 67,90, importado)
O mito de Prometeu —semideus grego punido por ter roubado o fogo de Zeus para salvar os homens da extinção– inspirou Beethoven a realizar "As Criaturas de Prometeu", balé de 1801 que traz o tema do quarto movimento da "Sinfonia Nº 3". Sob regência de George Petrou, a energia da obra mostra como o compositor foi, à sua maneira, um Prometeu da música.

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FILME

A PEDRA DE PACIÊNCIA *
Atiq Rahimi (Imovision, 2014, DVD R$ 39,90)
O escritor afegão adapta seu romance "Syngué Sabour: Pedra de Paciência". Em cidade arrasada pela guerra civil, mulher cuida do marido paralisado por tiro e pela primeira vez pode lhe falar diretamente —revelando a silenciosa e erotizada maneira de burlar a opressão feminina por milícias radicais islâmicas. Lento no início, culmina em tensão devastadora.


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