Folha de S. Paulo


Fúria tecnológica

Reprodução
A BESTA HUMANA?AUTOR:? Émile ZolaTRADUÇÃO:? Dilson Ferreira da Cruz?EDITORA:?Disal (352 págs., R$ 59)

Émile Zola (1840-1902) foi o fundador do naturalismo, uma escola literária que sintonizou a estética realista aos avanços científicos de sua época.

Escreveu um ciclo de 20 romances, "Os Rougon-Macquart", cujo subtítulo, "História Natural e Social de uma Família sob o Segundo Império", sintetiza seu projeto.

Trata-se de uma história "social" porque descreve os efeitos do meio sobre o indivíduo durante o Segundo Império (1852-1870), período da França marcado pela corrupção e pelo clientelismo. E é uma história "natural" por identificar os efeitos da hereditariedade sobre o comportamento, com base nas doutrinas raciais e nos nascentes estudos genéticos do século 19.

Pois bem, esqueça os parágrafos acima, que mesclam verbetes de enciclopédia, e abra "A Besta Humana", 17º volume de "Os Rougon-Macquart", que acaba de ganhar nova tradução.

A narrativa de Zola é, sobretudo, um "thriller": o protagonista Jacques Lantier, um maquinista de trem, testemunha a vingança de uma vítima de abuso sexual que, ao tentar encobrir o delito, acaba se tornando sua amante; surpreendidos pelos respectivos pares, eles vão cometer outros crimes, numa cadeia macabra e autofágica que inclui envenenamentos e trapaças judiciárias.

O título do livro se refere aos impulsos homicidas de Jacques e das outras personagens do romance. Filho de uma linhagem de alcoólatras que aparecem nos volumes anteriores do ciclo dos Rougon-Macquart, seu protagonista é o produto dessa herança fisiológica.

Mas, ao situar "A Besta Humana" no ambiente ferroviário, Zola acabou produzindo uma metáfora que vai além de determinismos simplistas e trata de outra bestialidade, tão incontrolável quanto os instintos. Pois se, num primeiro momento, o trem leva Jacques para longe de suas tentações assassinas, ao longo do romance ele fornece o ambiente para novos crimes: mais do que examinar o impacto da sociedade industrial sobre o indivíduo, Zola mostra como a fúria tecnológica amplifica a pulsão de morte.

LIVRO
THÉRÈSE RAQUIN
Esse romance de 1867 precedeu o ciclo dos Rougon-Macquart e inaugurou o naturalismo com o "estudo de fisiológico" de um crime passional.
AUTOR: Émile Zola
TRADUÇÃO: Joaquim Pereita Neto
EDITORA: Estação Liberdade (240 págs., R$ 41)

A BESTA HUMANA
AUTOR: Émile Zola
TRADUÇÃO: Dilson Ferreira da Cruz
EDITORA: Disal (352 págs., R$ 59)

FILME
A BESTA HUMANA
Adaptação de 1938 do romance de Zola traz o ator Jean Gabin no papel do protagonista Jacques Lantier.
Diretor: Fritz Lang
Distribuidora: Cult Classic (R$ 19,90)

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LIVRO
"O VOO DAS PALAVRAS CANTADAS"
Carlos Rennó (Dash, 320 págs., R$ 42)
Letrista, crítico e organizador de livros com as letras de Cole Porter e Gilberto Gil, Rennó reúne artigos publicados na imprensa, em encartes e releases de CDs. A tônica dominante são as relações entre "poesia literária e poesia de música", num arco de tempo que vai das canções de Orestes Barbosa até Itamar Assumpção —passando por Gershwin e Irving Berlin.

DISCO
"CAGE +"
Grupo Piap e solistas; John Boudler, regente (Selo Sesc SP, R$ 20).
O disco pertence à série em que compositores modernos (como Ligeti e Berio) são interpretados ao lado de peças contemporâneas. Aqui, nove experimentações do norte-americano John Cage (1912-1992) -com "piano preparado", percussão ou violino e piano— são contrastadas com obras dos brasileiros Michelle Agnes, Matheus Bitondi e Leonardo Martinelli.

FILME
"FREUD, ALÉM DA ALMA"
John Huston (Versátil, locação, DVD duplo)
A realização desse filme de 1962, sobre os primórdios da psicanálise, foi turbulento: Huston pediu o roteiro a Sartre, mas o modificou tanto que o filósofo não permitiu que seu nome constasse dos créditos. Com Montgomery Clift como o protagonista, a edição especial traz o documentário "Freud em Viena", de Marina Farschid, e depoimento do psicanalista Renato Mezan.


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