Folha de S. Paulo


Filmes de Garrone e Bellocchio refletem agressividade da imagem midiática

"Reality - A Grande Ilusão", de Matteo Garrone, é uma sátira ao "Big Brother" italiano. "A Bela que Dorme", de Marco Bellocchio, aborda o tema da eutanásia, a partir de um fato que inflamou a opinião pública da Itália. Vistos na sequência, os dois filmes de 2012 são mais que isso: uma reflexão sobre o ser, o parecer, o aparecer e o perecer.

No longa de Garrone (que também dirigiu "Gomorra"), Luciano é um vendedor de peixes napolitano cuja mulher faz trambiques de telemarketing. De saída, somos apresentados a um momento em que a rede de microempresários e artesãos, durante muito tempo responsável pela vivacidade da economia italiana, sucumbe à rede de especulação financeira e corrupção política que contaminou todos os estratos sociais do país. E aqui vale notar que o ator que protagoniza o filme, Aniello Arena, é um detento por crimes da Camorra.

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Filmes de Garrone e Bellocchio refletem agressividade da imagem midiática
Cena de "Reality - A Grande Ilusão

Durante festa de casamento animada por um vencedor do "Grande Fratello" (o BBB peninsular), Luciano é incentivado pelos filhos a passar pelos testes de admissão no programa. A partir daí, cai em delírio, enxerga em cada pessoa próxima um espião da emissora averiguando seu perfil.

De simplório peixeiro, Luciano transforma-se num alienado à espera da notícia de que vai entrar na tal casa. Mais que a ruína familiar (ele acredita tanto no sonho que vende sua peixaria), há uma ruína moral: ele passa a tratar bem os clientes e os mendigos não mais por gentileza natural, mas como um artifício para parecer digno do "Grande Fratello".

Perto da cenografia brutalmente cafona de Garrone (contraponto ao espetáculo televisivo da política italiana), o filme de Bellocchio é sóbrio, dramático. Os vários núcleos giram em torno do caso Eluana Englaro, que passou 17 anos em estado vegetativo e gerou projeto de lei legalizando a eutanásia.

Em cena, um senador (Toni Servillo, de "A Grande Beleza") que deve votar contra sua consciência e contra a militância da filha católica, que se apaixona por um ativista pró-eutanásia; uma atriz (Isabelle Huppert) que vela a filha entubada e uma viciada cujas tentativas de suicídio são evitadas pelo plantonista de um hospital.

Todos estão imersos numa austera vigília, mas Bellocchio realça um elemento deformador: passeatas para câmeras de TV, um depoimento oportunista de Berlusconi e a cena emblemática em que, na fictícia sauna do Senado (referência às antigas sátiras romanas), os tribunos reduzem a moral ao comércio de conveniências.

Entre o grotesco e o ético, os dois filmes fazem da triunfante imagem televisiva uma expressão daquilo que o filósofo italiano Mario Perniola denominou agressão "mass midiática".

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Isabelle Huppert, em cena do filme
Isabelle Huppert, em cena do filme "A Bela que Dorme"

FILMES

REALITY - A GRANDE ILUSÃO ***
DIREÇÃO: Matteo Garrone
DISTRIBUIDORA: Europa (R$ 29,90)

A BELA QUE DORME ***
DIREÇÃO: Marco Bellocchio
DISTRIBUIDORA: California (R$ 39,90)

A BELA QUE DORME ***
DIREÇÃO: Marco Bellocchio
DISTRIBUIDORA: California (R$ 39,90)

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LIVROS

TEORIA DA LITERATURA - TEXTOS DOS FORMALISTAS RUSSOS ****
Org. Tzvetan Todorov; tradução de Roberto Leal Ferreira (Unesp, 367 págs., R$ 52)
Se o século 20 foi a "idade do ouro" na teoria literária (com várias correntes), os formalistas russos responderam pela ambição de fazer uma "ciência da arte poética", procurando detectar o núcleo duro da linguagem literária. Herdeiro dessa tradição, o búlgaro Todorov reúne aqui textos fundamentais de autores como Iakobson, Chklósvki e Tinianov.

O RETORNO DO REAL ****
Hal Foster; tradução de Célia Euvaldo (Cosac Naify, 224 págs., R$ 49)
O ensaísta nova-iorquino investiga as perplexidades da crítica diante da produção das artes visuais a partir dos anos 1960. Examina os modelos formalistas e sociológicos de interpretação da neovanguarda (minimalismo, arte conceitual, performance) com uma abordagem que inclui referências do pensamento marxista da Escola de Frankfurt e da psicanálise lacaniana.

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DISCO

FUNKY JAZZ MACHINE ***
Tuto Ferraz (Tratore, R$ 22,90)
Em clima de gravação ao vivo, acompanhado por piano, sax, guitarra e baixos, o baterista Tuto Ferraz apresenta seis composições próprias. O swing melódico funde samba e gafieira sob predomínio do jazz mais clássico, incluindo momentos em que podemos ouvir uma espécie de versão "cool" de uma "big band".


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