Folha de S. Paulo


Livros sobre Marcello Grassmann trazem gênese da obra do artista

Morto no ano passado, aos 87 anos, Marcello Grassmann disse certa vez que os seres fantásticos que habitam suas gravuras e seus desenhos tinham função semelhante àqueles do gravador japonês Hokusai, que "desenhava demônios antes de dormir para depois não sonhar com eles". A declaração está em matéria de Celso Fonseca (sobre exposição de 1988) e foi incluída num livro de 2013 que traz apenas o nome do artista na capa e faz amplo percurso pela obra de Grassmann.

Organizado por Mayra Laudanna, o título inclui entrevistas que servem de apoio a lançamento mais recente: "Marcello Grassmann 1942-1955", da própria Laudanna e de Leon Kossovitch, professores de filosofia na USP.

Aqui, como indica o título, é abordado um período relativamente curto, porém decisivo, na trajetória do artista: vai do tempo em que Grassmann estudou no Instituto Profissional Masculino, em São Paulo, onde aprendeu o ofício de entalhador, até uma temporada na Europa (1954-1955).

Reprodução
"Harpias" (1951), xilogravura de Marcello Grassmann

Um dos resultados de suas vivências em Roma, Viena e Paris é o "Caderno de Viagem", reproduzido de modo fac-similar num volume anexo —ambos com edição em capa dura e vendidos conjuntamente. No volume principal, o ensaio de Laudanna e Kossovitch faz uma análise cerrada do percurso técnico-estético de Grassmann, desde os desenhos mais ornamentais do início, passando por uma obra gráfica nas vizinhanças do expressionismo, na segunda metade dos anos 1940, até chegar à linguagem que o consagrou.

Uma linguagem estranhamente bela, com metamorfoses e "seres-aparência" que burlam nossa necessidade de encontrar verossimilhança; figuras fantásticas (como as harpias livremente extraídas do imaginário grego), íncubos e súcubos (demônios que invadem os sonhos), prenunciando as personagens que fundem elementos orgânicos e mecânicos, a partir dos anos 1960.

No bestiário do "Caderno de Viagem" e no ensaio, temos a gênese desse mundo violento, atravessado por pulsões e fantasmas e organizado com o rigor dos paradoxos.

LIVRO

MARCELLO GRASSMANN 1942-1955 ****
AUTORES: Leon Kossovitch e Mayra Laudanna (org.)
EDITORA: Edusp (236 págs., dois volumes; R$ 240)

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LIVROS

MARCELLO GRASSMANN ****
Além de entrevistas do artista, o volume reproduz suas obras em seções divididas segundo as técnicas empregadas (gravuras em metal, xilogravuras, litografias e desenhos).
AUTOR: Marcello Grassmann; org. de Mayra Laudanna
EDITORA: Sesi-SP (263 págs., R$ 119)

MARCELLO GRASSMANN: DESENHOS ****
Este catálogo de exposição tem vida editorial autônoma e inclui apresentação do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar.
AUTOR: Marcello Grassmann
EDITORA: Instituto Moreira Salles (109 págs., R$ 48)

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DISCO

A VIEW FROM BELOW ****
Scott Feiner e Pandeiro Jazz (Tratore, R$ 34,90)
Radicado no Rio de Janeiro, o norte-americano Scott Feiner se tornou virtuose do pandeiro, sem se restringir a gêneros brasileiros como choro e samba. O resultado não poderia ser mais surpreendente. Com Guilherme Monteiro na guitarra e Rafael Vernet no piano elétrico, o pandeiro ora é solista em variações cubistas, ora cadencia o mais puro suingue.

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FILME

HANNAH ARENDT ***
Margarethe von Trotta (2012, Europa Filmes, locação)
A interpretação da atriz Barbara Sukowa faz jus ao rigor apaixonado da filósofa judia-alemã Hannah Arendt (1906-1975), autora de "Origens do Totalitarismo". O filme enfoca o julgamento do nazista Adolf Eichmann, que ela cobriu pela revista "The New Yorker". Pena que outro tema polêmico, seu caso amoroso com Heidegger (pensador que aderiu ao nazismo), fique restrito a breves flashbacks.

TESE SOBRE UM HOMICÍDIO **
Hernán Goldfrid (2013, Califórnia Filmes, locação)
A narrativa algo convencional destoa do naturalismo irônico do cinema argentino atual. Em compensação, o protagonista é seu maior ícone, Ricardo Darín, no papel do professor de direito que desconfia que um crime hediondo seja obra de um aluno intelectualmente brilhante, porém perverso. Envolve, mas desanda nas ambiguidades de thriller psicológico.

Divulgação
Calu Rivero e Ricardo Darín em cena do filme argentino 'Tese sobre um Homicídio'
Calu Rivero e Ricardo Darín em cena do filme argentino 'Tese sobre um Homicídio'

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