Folha de S. Paulo


Livro de contos de Verissimo realça obra ficcional e ilumina lado crítico do cronista

É obrigatório, a ponto de ser clichê, dizer que Luis Fernando Verissimo dá continuidade à linhagem de escritores que fez da crônica brasileira um gênero literário singular. Mas isso coloca em segundo plano outro lado de sua obra poliédrica: os textos essencialmente ficcionais, como os reunidos em "Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos".

Aqueles anteriormente publicados em jornais (como "Bolero" e "Contículo") buscam o cômico ou o paradoxal, com desfecho abrupto que parece obedecer à necessidade de acomodação ao espaço da página. Mas não é o suporte que impõe o tom e a forma a Verissimo. Foi o escritor gaúcho, ao contrário, que se impôs como um escritor
eminentemente satírico.

No inédito "O Pôster", por exemplo, o casal que discute se deixa ou não um cartaz de Che Guevara na parede, com medo da reação do chefe convidado para o jantar, faz parte das tantas historietas em que Verissimo flagra nossas pequenas traições cotidianas a convicções nem tão fortes assim.

Mateus Bruxel - 03.nov.2011/Folhapress
O escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo
O escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo

Esse efeito de rebaixamento de ilusões e vaidades vem da arte do cronista, mas o livro traz outros engenhos. A começar pelo conto do título, em que um grupo de amigos
que venerava uma misteriosa e sedutora violoncelista a reencontra, anos depois, num sanatório onde ela executa imaginariamente os últimos quartetos de Beethoven
-símile de desvario terminal e beleza crepuscular.

Os maiores contos do volume são também os melhores. "Lo" é, desde a primeira frase, uma paródia do romance "Lolita": o narrador (um buliçoso mulato baiano) conta como foi adotado por uma nobre espanhola, tornando-se um devasso precoce e devolvendo à Europa, agora em vestes tropicais, a aristocrática perversão de Nabokov.

Em "A Mancha" (que havia sido publicado na série "Vozes do Golpe", da Companhia das Letras), um ex-militante que enriqueceu com a especulação imobiliária, após a ditadura, compra o prédio em que fora torturado -numa fábula amarga sobre depredação da memória. É o contista Verissimo iluminando, por tabela, a faceta crítica do cronista.

LIVRO

Os Últimos Quartetos de Beethoven ****
AUTOR: Luis Fernando Verissimo
EDITORA: Objetiva (164 págs., R$ 29,90)

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LIVROS

Banquete com os Deuses ****
Reflexões e memórias que mostram lado pouco conhecido da obra de Verissimo: o de crítico de cinema, música, arte e literatura.
AUTOR: Luis Fernando Verissimo
EDITORA: Objetiva (2003, 232 págs., R$ 39,90)

A Mesa Voadora ****
Um dos primeiros livros do escritor, reúne crônicas e narrativas em que tentações e extravagâncias culinárias dão o tom.
AUTOR: Luis Fernando Verissimo
EDITORA: Objetiva (2001, 156 págs., R$ 36,90)

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FILME

Resistência **
Amit Gupta (California Filmes, R$ 34,90)
Essa "história alternativa" narra a invasão da Grã-Bretanha pela Alemanha após fracasso do Dia D (que deflagrou a vitória aliada na Segunda Guerra). Em aldeia do País de Gales, os homens sumiram (para preparar a resistência aos nazistas) e as mulheres convivem com soldados alemães refratários à ordem militar, em atmosfera ambígua e misteriosa.

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LIVRO

Cinquenta Poemas ****
Gérard de Nerval; tradução de Mauro Gama (Ateliê Editorial, 144 págs., R$ 60)
Poeta maldito, louco, suicida, o francês Nerval (1808-1855) compôs, a partir do desajuste, uma mitologia pessoal sob o "sol negro" da melancolia e da angústia. Nessa primorosa edição bilíngue, em rústica capa dura, o erudito prefácio do tradutor esclarece o hermetismo de uma linguagem onírica, obsessiva e fundadora da desviante sensibilidade moderna.

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DISCO

Strauss: Also Sprach Zarathustra ***
Gustavo Dudamel, Filarmônica de Berlim (Deutsche Grammophon, R$ 29,70)
Em contraponto à exposição sobre o diretor Stanley Kubrick no MIS, essa gravação da obra de Richard Strauss (que abre o filme "2001 - Uma Odisseia no Espaço") traz o vibrante Dudamel à frente da melhor orquestra do mundo. Completam o álbum os poemas sinfônicos "Don Juan" e "Till Eulenspiegels lustige Streiche" (baseado em burlador do folclore nórdico).


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