Folha de S. Paulo


Em 'Água na Boca', dois mestres da narrativa policial italiana criam narrativa epistolar

Escrever livros a quatro mãos não chega a ser novidade, basta lembrar os exemplos clássicos dos irmãos Grimm e Goncourt. Mas um romance em que, de maneira nada fraternal, um autor quer passar a perna no outro, ainda por cima no gênero policial (que pressupõe controle absoluto do suspense e das coordenadas narrativas), é bem mais raro, difícil de realizar e divertido de ler.

Pois é o que acontece em "Água na Boca", de Andrea Camilleri e Carlo Lucarelli. Os dois são mestres do "giallo", o romance policial italiano.

Bem conhecido no Brasil, o primeiro é criador do comissário Salvo Montalbano e da cidade imaginária de Vigàta, em sua Sicília natal. O segundo só tem um livro publicado por aqui, "Almost Blue", em que aparece uma de suas personagens, Grazia Negro, inspetora da chefatura de Bolonha, na Emilia Romagna (região em que nasceu e vive seu autor).

Basso Cannarsa - 01.abr.07/Efe
Andrea Camilleri (foto) e Carlo Lucarelli são os autores do livro
Andrea Camilleri (foto) e Carlo Lucarelli são os autores do livro "Água na Boca"

O projeto de "Água na Boca" surgiu durante a gravação de uma entrevista com ambos na casa de Camilleri, em Roma, e eles resolveram incorporar a distância geográfica real à estrutura ficcional, escrevendo um romance epistolar.

O ponto de partida é o assassinato, em Bolonha, de um policial de Vigàta, asfixiado com um saco plástico em que havia peixinhos ornamentais conectados a outros crimes envolvendo agentes policiais.

E aqui é importante notar (já que a edição brasileira não o faz) que a expressão "água na boca", em italiano, quer dizer "ficar calado, guardar um segredo" (e não "estar com fome", como em português).

Mais importante ainda é prestar atenção no humor que está nas entrelinhas da trama, com Grazia/Lucarelli criando desenvolvimentos para a trama que Montalbano/Camilleri deverá completar coerentemente e vice-versa, num verdadeiro jogo de xadrez em que um vai criando armadilhas detetivescas e literárias para o outro.

E, em se tratando de dois investigadores italianos, tão pouco afeitos à tecnologia quanto glutões, o recurso obsoleto da troca de cartas lançará mão de remessas de "cannoli" sicilianos e "tortellini" bolonheses para esconder as missivas que compõem essa narrativa descompromissada, mas saborosa.

LIVRO

Água na Boca ***
AUTORES: Andrea Camilleri e Carlo Lucarelli
TRADUÇÃO: Joana Angélica d'Avila Melo
EDITORA: Bertrand Brasil (108 págs., R$ 24)

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DISCOS

Integral dos Quartetos de Cordas de Camargo Guarnieri ****
Quarteto Camargo Guarnieri (ABM Digital, R$ 25)
Ainda são escassas as gravações consideradas definitivas de grandes compositores brasileiros. No caso de Camargo Guarnieri, coube à formação que leva seu nome, liderada por Elisa Fukuda, o precioso registro dos três quartetos em que o músico equilibra modernismo e nacionalismo.

FernandoMucci/Divulgação
Integrantes do Quarteto Camargo Guarnieri, liderados pela violonista Elisa Fukuda
Integrantes do Quarteto Camargo Guarnieri, liderados pela violonista Elisa Fukuda

Simon Trpceski: Schubert, Bach e Liszt ****
Simon Trpceski (WHLive, R$ 99, importado)
O pianista macedônio, que recentemente atuou com a Osesp, aparece aqui em registro ao vivo no Wigmore Hall de Londres. No recital, os destaques são danças de Schubert e uma rapsódia de Liszt em que Trpceski mostra sua intimidade com peças eruditas que partem de temas populares da Europa central e oriental.

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LIVRO

A História Concisa da Literatura Alemã ****
Otto Maria Carpeaux (Faro Editorial, 296 págs., R$ 39,90)
Austríaco que se radicou no Brasil, onde se tornou um dos maiores críticos literários do país, Carpeaux (1900-1978) faz um percurso pela história da literatura de língua alemã desde Lutero e Goethe até Kafka e Gunter Grass. A edição inclui ensaio de Willi Bolle, da USP, cobrindo período posterior à morte do ensaísta.


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