Folha de S. Paulo


Adaptação para público juvenil recria atmosfera do romance 'Moby Dick'

"É quase tão difícil falar em poucas páginas de uma obra que tem a dimensão tumultuosa dos oceanos em que nasceu quanto resumir a Bíblia ou condensar Shakespeare", escreveu Albert Camus a propósito de Herman Melville (1819-1891). A adaptação de "Moby Dick" por Fouca Dabli, com ilustrações de Jame's Prunier, não tem a pretensão de dar conta de todos os sentidos da genial narrativa do escritor norte-americano, mas consegue resumi-la com inteligência e uma forma particular de justapor texto e imagem.

A história do capitão Ahab, que arrasta a tripulação de seu navio pelos mares, no encalço da baleia branca que amputou sua perna, pode ser lida (ainda segundo Camus) como "a paixão funesta de uma personagem enlouquecida pela dor e pela solidão; mas também podemos pensar nela como um dos mitos mais perturbadores que já se imaginou sobre o combate do homem contra o mal e sobre a lógica irresistível que acaba por armar o homem justo primeiramente contra a criação e o criador, depois contra seus semelhantes e contra si mesmo".

Jame's Prunier/Reprodução
Ilustração de Jame's Prunier para nova adaptação de
Ilustração de Jame's Prunier para nova adaptação de "Moby Dick"

Diante de um autor com a grandeza atlântica de Melville (a quem Camus se refere como "Homero do Pacífico"), a versão dos franceses Dabli e Prunier só pode ser uma porta de entrada para um universo de marujos errantes, que têm as inquietações da juventude e a audácia dos deuses do cais.

Mesmo quem já teve o privilégio de ler o romance, todavia, encontrará nessa versão para público juvenil um prazer complementar. Pois se a redução textual preserva a essência da trama (com prejuízo da dimensão simbólica e da retórica bíblica, mas não dos momentos de humor), as ilustrações na verdade nada ilustram: parecem, antes, realizar as paisagens que imaginamos durante a leitura de "Moby Dick".

Não há correspondência literal entre as imagens de Prunier e as ações do narrador Ismael ou do exótico arpoador Queequeg ("príncipe canibal" de pele tatuada). Tais imagens têm textura de tela e recriam, com uma luminosidade inspirada no pré-impressionista Corot, o clima portuário, com suas sórdidas estalagens, o convés do baleeiro Pequod, a amplidão azul do mar --enfim, esse cenário que todo leitor de Melville gostaria de habitar.

LIVRO

MOBY DICK ****
AUTOR: Herman Melville
ADAPTAÇÃO: Fouca Dabli
ILUSTRAÇÕES: Jame's Prunier
TRADUÇÃO: Carlos Frederico Barrère Martin
EDITORA: SM (64 págs., R$ 46)

LIVRO

MOBY DICK ****
A edição primorosa, em capa dura, inclui vasta bibliografia sobre o clássico, mapa com a rota do Pequod e glossário de termos náuticos com desenhos analíticos do baleeiro.
AUTOR: Herman Melville
TRADUÇÃO: Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza
EDITORA: Cosac Naify (2008, 656 págs., R$ 119,90)

FILME
MOBY DICK ***
Gregory Peck é o maníaco capitão Ahab nessa adaptação de 1956, com roteiro do diretor John Huston e do escritor Ray Bradbury (autor de "Fahrenheit 451").
DIREÇÃO: John Huston
DISTRIBUIDORA: Classicline (1956, locação)

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DISCO

VARANDEIO ****
Paulo Porto Alegre (Tratore, a partir de R$ 31,90)
Primeiro disco autoral de um dos melhores violonistas brasileiros, que completa 60 anos, "Varandeio" traz composições próprias, que vão do choro, do samba e do jazz a estudos ou suítes dedicados a outros instrumentistas. Em todas as faixas, linhas melódicas de impressionante pureza e precisão trazem a marca de um virtuose do erudito e do popular.

Christian Maldonado/Divulgação
O violonista Paulo Porto Alegre
O violonista Paulo Porto Alegre

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LIVRO

GENTE ESTRANHA, CONVERSAS ESQUISITAS ***
Fernando Bonassi (Coruja, 100 págs., R$ 15)
Autor do romance "Subúrbio" (marco na literatura brasileira contemporânea), o paulistano reúne em livro parte de sua igualmente importante produção teatral. São três monólogos ("O Incrível Menino Preso na Fotografia", "Mauísmo" e "Prótese") em que as personagens se debatem contra impasses geracionais, políticos e éticos.

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FILME

ROTA IRLANDESA ****
Ken Loach (Vinny, R$ 29,99)
O título remete à engajada filmografia de Loach sobre conflitos britânicos, mas a tal "rota irlandesa" é uma perigosíssima estrada que leva ao aeroporto de Bagdá. Ali acontece um assassinato de civis que, gravado num celular, leva a investigações (permeadas pela tragédia pessoal do protagonista) sobre a ação de mercenários durante a Guerra do Iraque.

Divulgação
O ator Mark Womack em cena de
O ator Mark Womack em cena de "Rota Irlandesa", dirigido por Ken Loach

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