Folha de S. Paulo


Multitarefas anônimos

"Boa noite. Quero compartilhar minha história com vocês. Muito obrigado pela disposição para me ouvir.

Até há pouco tempo eu me considerava um multitarefa profissional. Especialista em comprimir, prensar, embalar e sobrepor atividades variadas em meu curto tempo.

A sensação, a princípio, era de um poder indescritível. Eu me sentia profundamente engajado. Meu estresse diminuiu, fiquei mais eficiente, nenhum projeto ficava incompleto.

No mundo caótico, eu me considerava adaptado. Tinha desenvolvido uma "desatenção adquirida". E-mails, telefones, mensagens de texto, posts, telas, aplicativos e janelas formavam um grande ruído de fundo, parte da rotina diária.

Quando percebi, tinha me tornado extremamente sensível à informação que chegava. Se largasse do telefone ficava agitado, ansioso e mal-humorado.

Mesmo quando desconectado, eu sentia falta do estímulo digital. Na sua ausência, eu ficava entediado. Mesmo quando não fazia duas ou mais tarefas ao mesmo tempo, o pensamento fragmentado e a falta de foco persistiam. Estabelecer prioridades era um martírio. Segui-las, quase impossível.

Aos poucos percebi que vagava a esmo, perdido na paisagem de informação, à procura de padrões, estímulos e tarefas. O trabalho era feito porcamente, nos raros intervalos da minha divagação mental. Minha eficiência era ilusória.

Foi quando percebi que tinha um problema.

Eu não tinha me tornado mais capaz, mas menos atento. Não estava eficiente, estava ocupado. Até o que eu chamava de sobrecarga de informação era, na realidade, efeito de tarefas múltiplas e simultâneas.

Minha identidade pertencia cada vez menos a mim e mais a cada objeto ou rede que me chamava a atenção. Cheguei a um ponto em que não conseguia mais estar presente, por inteiro, em momento algum.

Tinha perdido a empatia e boa parte do controle emocional. Não tinha paciência pra nada, estava insatisfeito com a lentidão do mundo e desconfortável com o silêncio.

Como um doidão chapado, eu esquecia o que tinha de fazer, mal ouvia quem falava comigo e me via perdido, vidrado nas timelines, mesmo sabendo que tinha muita coisa para fazer.

Como esquizofrênico, eu ouvia vozes internas me dizendo para checar e-mails, entrar no Facebook, olhar o Instagram, escrever no Twitter.

Minhas experiências estavam fragmentadas. Constantemente me via forçado a reiniciar e mudar de foco. Não conseguia me concentrar, estava sempre cansado. Por sorte não bati o carro.

A mídia tinha me mudado. Já não percebia que verificar meu smartphone me removia das pessoas e das coisas que estavam na minha frente. Eu era extremamente social. E cada vez mais isolado.

Fazer muitas coisas ao mesmo tempo me dava uma sensação agradável, que crescia com o aumento de tarefas. Aos poucos ela foi se transformando em uma compulsão. Meu cérebro não se contentava com as novas capacidades. Ele queria mais. Os sintomas de abstinência eram intensos.

Para não piorar, resolvi parar.

Mas não foi fácil, a luta é diária. A multitarefa é crucial para o trabalho hoje. Todo mundo parece que vai morrer amanhã, tamanha a ansiedade por informações cada vez mais rápido. Ninguém pode esperar um instante.

Não parecem se dar conta que a mente se move mais rápido do que o mundo externo porque precisa captar nuances, pensar a respeito do que ouve, ter ideias criativas e permanecer conectada ao que acontece ao redor. Ao realizar diversas tarefas simultâneas, o contexto é ignorado ou perdido. E como diz a sabedoria popular, o que não foi bem-feito terá de ser refeito.

No futuro acredito que teremos babás eletrônicas, que em vez de demandarem atenção o tempo todo, possam se encarregar de realizar nossas tarefas silenciosamente.

Até que isso aconteça eu seguirei minha longa jornada, um passo a cada vez.

Muito obrigado."


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