Folha de S. Paulo


Moleques mimados

A primeira geração era cabeluda, quase hippie, idealista, um pouco ingênua. Cansada dos excessos de uma sociedade capitalista e selvagem, resolveu deixar a vida besta e se mudar para a Califórnia, laboratório de experiências sociais e compartilhamento. Com a ajuda de colegas na Suíça, criaram a base do que imaginavam ser um novo Iluminismo, a materialização da "aldeia Global", que a TV não conseguiu cumprir.

A ideia era tão nova que demandava novos nomes. Ciberespaço, Metaverso e Realidade Virtual foram alguns dos termos criados para explicar o novo mundo. Mas, como Colombo, eles até faziam uma ideia do rumo, mas não conseguiram entender aonde foram parar. A tarefa ficou para a próxima geração.

Mas alguma coisa aconteceu pelo caminho.

A rede, que deveria servir para expandir a inteligência humana, parece ter se tornado um ambiente selvagem, primitivo, infantil, em que a conversa "adulta" é rara. Basta olhar os títulos mais populares nas redes sociais para se perceber que a maioria parece escrita para capturar a atenção de um adolescente apressado, tão cheia de gírias, fofocas e dicas de sucesso instantâneo que é.

Os comentários conseguem ser ainda piores. Mascarada pela condição de anonimato criada para preservar a liberdade de expressão, a maioria das pessoas disposta a debater os argumentos apresentados se comporta de forma incrivelmente grosseira, transformando qualquer discordância em insultos pessoais ou infundados.

A crítica construtiva parece ter sido substituída pela insistência em identificar defeitos nos outros. Qualquer conteúdo que possa ser interpretado como sexista, racista, homofóbico, antissemita, anti-ecológico, conservador ou ateu se torna vítima preferencial de milhares de "vigilantes", cujos argumentos de baixa qualidade só costumam perder para a incapacidade de interpretação dos textos que leram.

A crítica poderia ser benéfica se fosse construtiva ou tivesse mão dupla, mas não é isso o que acontece. A autocrítica é tão rara quanto a tomada de responsabilidades. Cada pessoa parece extremamente sensível às avaliações recebidas, ao mesmo tempo que incapaz de perceber as ofensas feitas aos outros.

Em muitos aspectos, a Web parece ter se tornado o pátio do recreio do ensino médio, em que palhaços, valentões, escandalosos e esquisitos (incluindo na categoria fanboys, geeks e nerds) disputam espaço com seus draminhas pessoais, aparentemente incapazes de crescer ou enxergar além de seu próprio umbigo.

Reforçados pela timeline do Facebook, que oculta os posts de quem não clica nas mesmas coisas do que eles e inspirados pela valentia grosseira de nulidades como Danilo Gentili e José Luiz Datena, a maioria se comporta como um bando de adolescentes meio bêbados, loucos para amplificar e intensificar suas emoções, procurando extremos, insensíveis para o que é errado. Se todo mundo faz, não deve ser ruim.

Delírios de grandeza e impulsividade, estimulados pela mensagem publicitária de virilidade perene e silhueta perfeita a um clique, muitos perdem o contato com a realidade, se refugiando nos ambientes de simulação dos games.

Espera-se cada vez mais da tecnologia e cada vez menos das pessoas com quem se convive. Não é para menos: o erro é melhor tolerado no mundo mágico do que no contexto de uma relação ou ambiente de trabalho. Se a situação não for satisfatória, deixe-a. Não faltarão oportunidades.

Não acredito que esse comportamento seja resultado da velocidade das mudanças tecnológicas. Outras mudanças, em outras épocas, tiveram impactos tão grandes ou ainda maiores, e não infantilizaram seus usuários, muito pelo contrário. Acredito que o vilão esteja na cultura de entretenimento, que, desde a TV, popularizou o discurso vazio, cujo objetivo final é fazer com que os olhos não se desgrudem da tela. Para isso, qualquer recurso é válido. Vídeos de gatos ou acidentes, pílulas de comunicação, listas, rankings e receitas, pra que pensar? Na cultura de 140 caracteres do Twitter, tudo que é longo dá uma enorme preguiça de ler.

A acomodação é amplificada por tecnologias sofisticadas de customização e logística, que fazem com que tudo possa ser entregue em casa e parcelado no cartão. Quem precisa crescer, quando se já vive na Terra do Nunca?

Basta analisar o modelo de produção do vale do Silício, em que jovens profissionais dispostos a trabalhar ininterruptamente, em uma dieta de pizza e energéticos para construir start-ups; que baladas chamadas de "Hackathons" tentam resolver os problemas do mundo em uma só arrancada; e que muitas empresas consolidadas terceirizam parte do trabalho para sweatshops em condições deploráveis para se perceber que esse não é sinal de um capitalismo maduro, mas de um mercado atordoado e sem planejamento. E vamos correndo até que a Singularidade nos redima.

Em sua curta vida, a web já modificou setores inteiros da Economia e Sociedade, criando ao mesmo tempo gigantes e monstros, e está apenas no começo. Seus usuários ainda estão tentando descobrir como se comportar, o que fazer, como fazê-lo. O código de ética está em construção.

Para progredir no mundo digital é preciso desenvolver a inteligência emocional, que, como a outra, pode ser expandida pela rede para que se torne uma ferramenta de uma sociedade digital verdadeiramente civilizada.


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