Folha de S. Paulo


Tá pensando que o dado é teu?

A história das fotos vazadas é mais complicada e séria do que parece. Antes de julgar as atrizes e modelos que tiveram suas contas hackeadas e fotos nuas expostas, vale lembrar que todos cometemos pequenas indiscrições que, fora de contexto, podem ser interpretadas como repulsivas, engraçadas ou ridículas.

O maior problema não está na nudez, por mais que se ver pelado frente a desconhecidos seja bastante desagradável. A questão que ninguém parece estar disposto a encarar é a da violação de privacidade. Como em um assalto, essa invasão deixa na vítima uma paranoia e insegurança justamente com aquele que deveria ser o seu porto seguro.

O crime é mais comum do que parece. Os famosos chamam a atenção, mas basta uma pequena visita a fóruns como o 4Chan, Imgur ou AnonIB para ver uma multidão de desconhecidos expostos.

O método para encontrar a maioria dos dados é razoavelmente simples: basta descobrir o endereço de e-mail da vítima e ativar a recuperação de senhas, que costuma perguntar coisas fáceis de descobrir, como nomes de bichos de estimação e local de nascimento. Celebridades podem ter esses dados mais expostos, mas a maioria das pessoas os disponibiliza alegremente via Facebook ou ao participar de brincadeiras on-line aparentemente ingênuas, como a de descobrir que nome teria se fosse uma drag queen.

Por mais que figuras públicas estejam expostas, é gente comum que precisa ser mais cuidadosa. A legislação é extremamente vaga no que diz respeito a dados pessoais, e os contratos gigantescos que todo serviço digital obriga seus usuários a concordar antes de usar –e que ninguém lê– se isentam de praticamente toda responsabilidade quanto a vazamentos e danos à reputação.

A situação se complica quando se leva em conta que os dados podem ser interceptados em trânsito, como o que aconteceu com a vulnerabilidade "heartbleed", e que a maioria dos serviços de armazenamento usa técnicas de controle de versão, que permitem a recuperação de dados apagados, como as fotos da atriz Mary Winstead.

A concentração de dados particulares em serviços como Dropbox, OneDrive, Google Drive e –a vítima da vez– iCloud, torna a tentação grande para hackers do mundo todo. Por mais que seja difícil invadi-los, a recompensa é muito maior do que acessar um telefone de cada vez.

Cada vez que uma falha dessas acontece, todo mundo se apressa em culpar a vítima, que "não deveria ter fotos nuas em seu celular", e em trocar suas senhas, para logo depois relaxar. Sobram posts em blogs, fóruns e redes sociais a lembrar que não se deve usar senhas fáceis ou repetidas, e que não se pode armazenar material delicado na nuvem. Há até quem sugira evitar a resposta honesta a questões de segurança.

As recomendações podem ser sensatas, mas acredito que foquem na questão errada. À medida que a internet passa a ocupar papel central em nossas vidas, a pegada digital que cada um deixa é cada vez maior, tornando a descoberta de dados pessoais cada vez mais corriqueira.

A desculpa da falta de segurança dos serviços on-line é que é difícil ser, ao mesmo tempo, seguro e amigável. Senhas costumam ser encaradas mais como empecilho do que como proteção, o que leva muitos usuários a relaxar no seu uso.

Não é culpa deles. Mais de trezentos milhões de pessoas no mundo confiam em serviços na nuvem, da mesma forma que se confia nos bancos ou na polícia. Você pode ser solidário com o motorista do táxi se furou o pneu ou acabou a gasolina, mas, em última instância, o problema não é seu.

Registrados em contas de armazenamento ou transações comerciais, fornecidos deliberadamente cada vez que se coloca o nome de usuário e senha em uma rede social ou coletados de forma passiva em browsers e aplicativos que rastreiam a navegação, os dados pessoais formam um retrato individual cada vez mais preciso, comercializado livremente para quem se interesse em pagar.

"Big data", vale lembrar, não é "Big Oil". A informação pertence aos usuários, não foi vendida por eles para exploração livre pelos latifundiários digitais. Antes de se pensar em qual poderá ser o novo vazamento ou em como se proteger dele, é cada vez mais importante demandar uma segurança maior dos fornecedores para que esse tipo de problema não ocorra mais.

É sempre bom lembrar que serviços online não são gratuitos, mas pagos com cliques e compartilhamentos de dados pessoais. Na Economia da Informação, esse é um valor tão financeiro quanto dinheiro, comercializado em pacotes publicitários ou aquisições de empresas.


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