Folha de S. Paulo


Quase viva

A rede muitas vezes se comporta como se fosse um organismo vivo, criando estruturas complexas e inesperadas à medida em que cresce, como se tivesse vontade própria.

Essa característica, apesar de surpreendente, é comum. Sistemas dinâmicos, como formigueiros, mercados e relações sociais, chamam a atenção por sua imprevisibilidade desde Aristóteles.

Em áreas tão diversas como filosofia, física, computação, linguística, neurociência, sociologia ou economia, a evolução de sistemas complexos é chamada de emergência. Ela se refere ao processo em que grandes entidades, estruturas ou padrões surgem espontaneamente a partir da interação entre seus componentes.

Uma cidade é muito diferente das casas que a formam, da mesma forma que não se pode identificar nenhum componente do trânsito em um automóvel estacionado. O todo é completamente diferente das partes, e sua ordem implícita é tão fantástica que não faltam místicos para lhes atribuir um "criador".

Não é para menos: explicar como a vida surge a partir de moléculas inanimadas, como pensamentos aparecem no cérebro ou como trilhões de células formam um ser humano é um desafio e tanto.

Mas, como sempre, Darwin explica. Em redes dinâmicas e competitivas, em que as relações entre cada membro mudam com o tempo, os mais adaptados sobrevivem e transmitem as informações adquiridas. A mesma explicação vale para tumores e redes de corrupção, por isso é tão difícil erradicá-los.

A internet é um sistema emergente. Ela funciona como se fosse um único computador, com terminais espalhados em dispositivos de todos os tipos, de robôs industriais a telas de smartphones. Funcionando ininterruptamente há mais de 30 anos, ela é a máquina mais confiável já criada pela humanidade. Nunca parou de vez, e não há indícios de que pare. Já mudou de função diversas vezes, e tudo indica que continuará a mudar.

Quando a web surgiu, ninguém de bom senso acreditaria que seria uma ameaça às indústrias de informação, nem que seria gratuita. Não se imaginava, quando as mídias sociais ainda engatinhavam, que gigantes como Google e Facebook ameaçariam acabar com a privacidade como a conhecemos. No entanto

Redes, como mercados ou sistemas políticos, começam recheadas de boas intenções, mas podem rapidamente ser corrompidas ou se transformarem em algo imprevisível. Não há indícios de que os inventores do Capitalismo buscassem a desigualdade. Nem de que os mentores do Socialismo propusessem regimes totalitários.

A máquina digital cresce exponencialmente, e seus órgãos dos sentidos se expandem para câmaras 3D, drones, sensores, carros e tudo que chamamos de "internet das coisas". Os dados coletados por sistemas de busca, tradução, compartilhamento e GPS, armazenados na nuvem e processados por sistemas de "big data" e inteligência artificial, analisam padrões e criam estruturas de complexidade inimaginável, um passo de cada vez.

A máquina, que já foi uma extensão do homem, é cada vez mais central. E nós, na periferia do raciocínio, nos transformamos sem perceber, em seus órgãos dos sentidos.


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