Agora que a ressaca passou e que ninguém mais quer falar da Copa, vale a pena examinar friamente aquele vexame de terça à tarde. Não do ponto de vista do futebol - o Brasil já tem técnicos demais em cada boteco - mas da inteligência do negócio disfarçado de esporte.
Sob qualquer ponto de vista, o 7x1 da Alemanha sobre o Gigante Sonolento parecia ruim demais para ser verdade. Ninguém tinha dúvida de que seria um jogo difícil, com possível vitória alemã. Mas não com aquele placar. Os alemães pareciam a armada de Cortez ao enfrentar os Incas, confiantes de saber algo desconhecido pelos ingênuos brasileiros.
E sabiam. Desde o final do ano passado a equipe alemã usa câmeras especiais para coletar imagens e interpretá-las. Não pelos olhos experientes de técnicos e jogadores, como é feito ao redor do mundo, mas por poderosas bases de dados.
O resultado, típico de enredo de filmes chatos como "Moneyball", chama a atenção para a influência da tecnologia sobre um esporte retrógrado, teimoso e arrogante, como o era o beisebol nos EUA, e que, com bastante relutância, começa a ter que engolir os avanços da tecnologia. Era natural que a revolução viesse da Alemanha, emblemática por sua disciplina e apego a processos. Teria sido muito mais humilhante se viesse do Japão ou Coréia.
Chega de Zagallos, Parreiras, Felipões ou Dungas. A seleção brasileira não precisa de técnico estrangeiro. Ela precisa de uma técnica contemporânea.
O uso de Big Data em futebol é recente. Ele começou no final de 2013, quando a SAP, gigante de software corporativo, iniciou uma parceria com o Fraunhofer Institute, a empresa de videogames Crytek e o clube sub-20 TSG Hoffenheim, criando uma solução baseada em processamento geoespacial, sensores e visualização 3D para analisar os resultados de cada treino em tempo real.
Nos treinos do TSG Hoffenheim cada uniforme tem vários medidores, memória para processamento local e uma pequena antena. Graças a eles, mais de 60 milhões de registros podem ser capturados, transmitidos, analisados e armazenados por jogo.
O resultado, praticamente instantâneo, é combinado com as imagens coletadas por uma rede complexa de câmaras instaladas no campo, captando os movimentos de cada jogador a partir de vários ângulos simultâneos.
Com toda essa medição, tópicos que passariam despercebidos podem ser analisados em cada treino para identificar os pontos fortes e fracos de cada jogador, ajustar a intensidade dos exercícios e minimizar o risco de lesões. Armazenadas e comparadas, as métricas poderão revelar tendências e capacidades de cada jogador, ampliando as opções do técnico.
Futebol pode parecer um jogo simples, mas tem aspectos físicos, psicológicos e táticos complexos. Como todo esporte de ponta, ele precisa incorporar as novas descobertas científicas.
Isso não significa que sua paixão será substituída pela engenharia das tabelas e números. Da mesma forma que a preparação física fortalece os atletas e torna a competição mais ágil, a coleta e análise de dados pode ser o assistente perfeito para o talento dos jogadores. No começo toda essa previsão pode tornar o jogo chato e oportunista, mas assim que todos a utilizarem os jogos tenderão a ser mais rápidos e cada vez mais divertidos.
Como acontece em qualquer mudança, não faltarão opositores. Alguns chamarão a tecnologia de doping digital, outros dirão que ela tornará o jogo mais cerebral, diminuindo a riqueza caótica do esporte. Nada mais distante da realidade.
É hora de revolucionar o Futebol. Acabar com os mitos e adotar uma gestão baseada em evidências, não em mandingas de vestiário.
Fußball, que já foi sinônimo de futebol-força, está se tornando uma nova forma mais inteligente de futebol-arte e ciência, capaz de ter placares e jogadas tão incríveis que parecerão sobre-humanas.