Folha de S. Paulo


Celular é uma coisa nojenta

O ser humano contemporâneo é uma espécie de ciborgue, que carrega sua prótese digital por toda parte. Como as antigas cantoras do rádio, os smartphones de noite embalam os seus sonhos e de manhã vem para acordar. Durante o dia essas caixinhas de plástico e vidro são carregadas nas mãos, bolsos e bolsas, se misturando com dinheiro, cartões e papéis soltos.

Levadas para a ginástica, a balada, o balcão da padaria, a mesa do restaurante, o guichê de atendimento, o banco da loja e o assento do carro, elas correm a cidade. Quando não usadas, ficam no chão, carregando na tomada.

Seus usuários estão sempre olhando para elas, encostando-as nos ouvidos, esfregando-as na bochecha, borrifando gotículas de saliva quando falam ou espirram, segurando-as com mãos suadas e mostrando, felizes, as fotos do Instagram para a pessoa com quem almoçam. Se a tela estiver muito ensebada, basta uma esfregadinha na manga da camisa para tudo ficar brilhante de novo.

Já faz algum tempo que essas maquininhas substituíram os jornais e revistas no banheiro, para desespero de quem está do lado de fora da porta. É o fenômeno da "segunda tela" chegando a lugares inesperados. Um dos principais motivos para a Sony lançar seu telefone Xperia Z à prova d'água foi a descoberta que cerca de 15% dos usuários de celulares admitiram tê-los deixado cair privada abaixo.

Não é preciso dizer que, com poeira, gordura, saliva e calor, celulares são um belíssimo ambiente para a proliferação de bactérias. Ainda mais se levado em conta que os aparelhinhos, quando não aquecidos pelos corpos de seus usuários, esquentam sozinhos ao processarem informação.

Boa parte das bactérias que vive em um telefone não é muito diferente das que habitam a pele de seus usuários. A transmissão não seria muito mais grave do que a ocorrida em um aperto de mãos se o telefone fosse limpo com alguma frequência. E se, como as mãos, ficasse longe da boca e dos olhos quando sujo.

A situação seria muito pior se os telefones ainda tivessem todas aquelas teclas e dobras dos aparelhos mais antigos, mas a tela plana dos novos aparelhos não os deixa imune à ação das bactérias, principalmente entre profissionais das áreas de saúde e alimentação. Todos os funcionários lavam as mãos quando usam o toalete, mas os celulares podem continuar intocados.

Em hospitais, bactérias gordas circulam livremente nos bolsos dos jalecos, aumentando o risco de contaminação.

Há duas semanas o fabricante de telas de vidro para smartphones Corning, famoso pelo "Gorilla Glass" que torna iPhones tão resistentes, lançou uma tela com proteção bactericida, para alegria dos hipocondríacos. O vidro vem com nanopartículas de prata, que tem um comprovado efeito para a eliminação de micróbios. Segundo o fabricante, a tela inibe o crescimento de bactérias, fungos, algas e mofo durante toda a vida do aparelho. O processo não é rápido, leva cerca de uma hora para matar todos os bichinhos. E só cobre a tela. O resto do telefone continua igual.

A eliminação indiscriminada de bactérias é uma solução controversa. Muita discussão vem acontecendo sobre os efeitos do uso de sabões bactericidas e antibióticos no microbioma, o conjunto de micro-organismos que vive no corpo humano. A paranoia profilática pode comprometer os mecanismos de autodefesa do corpo, causando infecções e alergias.

Toalhinhas bactericidas, espumas, sprays e filmes protetores já existem no mercado, mas seu efeito é temporário. Muitas pessoas não tem o hábito de desinfetar seus telefones, temor agravado pelas recomendações ostensivas de seus fabricantes quanto ao efeito corrosivo desses produtos no revestimento do telefone. Com razão, desinfetantes, limpadores de janelas e solventes podem ser bastante agressivos.

Mas dificilmente um paninho com um pouco de álcool fará algum mal. Não é necessário fazer isso toda vez que lavar as mãos, basta fazê-lo uma vez por semana ou sempre que sair de algum lugar contaminante.

Se o uso do celular é inevitável, é preciso incorporar algumas práticas higiênicas a ele. Como se faz com o carro, uma limpeza eventual é sempre boa. Reduzir o uso também não faz mal. E pode impedir gente chata de usá-los indiscriminadamente no restaurante, no ônibus, na rua e na praia.


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