Folha de S. Paulo


Obama e "Whiplash"

RIO DE JANEIRO - Assistir a "Whiplash" com atraso valeu por coincidir com o momento de avanços históricos nas relações dos EUA com Cuba e Irã. O filme não é político, mas permite uma associação de ideias.

No longa de Damien Chazelle, um jovem que sonha ser grande baterista encontra um professor extremamente rigoroso, que ofende os alunos e chega à agressão física.

Para esse professor (interpretado por J. K. Simmons, Oscar de ator coadjuvante), Charlie Parker só se tornou o maior saxofonista da história por causa de algo que lhe aconteceu aos 16 anos: cometeu um erro numa apresentação, e o superbaterista Jo Jones lhe atirou um prato de seu instrumento. Em vez de desistir de tudo, Parker transformou a humilhação em obsessão.

Ele se tornou o maior, mas morreu aos 34 anos destruído pelas drogas. Não é um caminho a se invejar.

Se tivesse recebido apenas estímulos civilizados, será que não teria sido tão grande quanto foi? Xingando bastante um aluno medíocre, um professor consegue transformá-lo num Charlie Parker? Ou só os talentosos merecem ser ofendidos e agredidos?

O filme encampa aquela velha ideia: os fins justificam os meios. Em nome de um objetivo, tudo é permitido. E aí podemos pensar em criancinhas chinesas penduradas em aparelhos de ginástica ou até em prisioneiros pendurados em paus-de-arara.

A ilação pode soar excessiva, mas até que ponto a relação doentia entre mestre e aluno não guarda o traço de parte de uma sociedade? Bush não institucionalizou a tortura alegando proteger o país? (E aí nem é metáfora, pois o que há no filme é tortura mesmo).

Obama não conteve a espionagem da NSA, outro caso grave de vale-tudo. Mas moveu seu país para o campo da civilização ao conversar com Cuba e Irã. Parece melhor do que atirar pratos. Ou mísseis.


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