Folha de S. Paulo


O sangue escorre ao lado

RIO DE JANEIRO - Supondo que você, caro leitor, seja uma pessoa de classe média e que não viva numa favela, vai uma pergunta: você suportaria ver, de perto, o sangue escorrendo da cabeça de uma criança de 10 anos? E suportaria ouvir quase todos os dias tiros sendo disparados na porta da sua casa (não num lugar próximo, mas ao lado da sua janela)?

E imaginemos que o menino de 10 anos não seja desconhecido, mas o filho de um vizinho. Ou, pior, o seu próprio filho. E você soubesse que ele estava na porta de casa porque não havia tiroteio, e que um policial apareceu disparando e estourou a cabeça do menino. O que você acharia se isso acontecesse na sua rua, na sua vida?

Se o leitor não ficou indiferente a essas perguntas retóricas, vai outra: por que desejar isso aos outros? Por que há gente que consegue se sentar diante de um computador e escarnecer da dor da mulher cujo filho foi assassinado, escrevendo que para ela é fácil culpar a polícia?

Se Eduardo de Jesus Ferreira vivesse em Ipanema, será que o governador Pezão, após a morte do menino, diria a frase "não vamos recuar", ameaçando com mais tiros todos os que vivem no Complexo do Alemão?

No Brasil, política de segurança é prender e matar pobre para rico se sentir em paz. Como a estratégia só gera mais violência, a classe média e os abastados pedem mais prisões, mais mortes, mais sangue. É uma espiral fascista.

Entre 2009 e 2013, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as polícias mataram 11.197 pessoas no país –seis por dia só em 2013. E nos mesmos cinco anos 1.770 policiais foram mortos. Essa guerra sem fim não faz com que ninguém consuma um grama a menos de droga. Nem fique mais seguro. Mas alimenta um ódio que, em alguma hora, vai explodir. E aí poderá ser na sua rua, na sua vida, caro leitor.


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