Folha de S. Paulo


Começar de novo

RIO DE JANEIRO - Fantasiemos a cena: o PT acorda hoje feliz com a vitória, vai ao espelho admirar a imagem que cultiva de si mesmo, mas o que vê é um retrato de Dorian Gray. Sua carne carcomida se recusa a continuar escondida no porão e vem à tona cobrar a juventude perdida.

Subitamente consciente do que os últimos 12 anos lhe custaram, põe-se a pensar sobre os fatores que permitiram o novo e apertadíssimo triunfo.

Sabe que melhorou a cara do país: tirou-o do mapa da fome, do alto desemprego, do salário mínimo mísero, da falta de renda e de oportunidade para as famílias mais pobres. Percebe, então, que quase perdeu a eleição porque se rendeu à imundice da realpolitik nacional, a mesma que sustentou os governos de Sarney, Collor e FH.

Emporcalhou a própria história e entregou a bandeira da honestidade nas mãos dos setores mais conservadores de uma sociedade que já é bastante conservadora.

Em vez de se ajoelhar diante dos coronéis do PMDB em gratidão pela vitória, vai celebrá-la com quem de fato a garantiu: os pobres que melhoraram de vida; os jovens que voltaram às ruas para defender as conquistas sociais; as pessoas que, mesmo desencantadas com corrupções e traições, deram-lhe outra (e talvez última) chance.

Resolve que não vai tentar impedir os enormes estragos que as tais delações premiadas farão em praticamente todos os partidos. Constata que é dos escombros que poderá surgir uma reforma política para valer. Pedirá perdão pelos erros imperdoáveis e abandonará o papel de vítima da imprensa.

Explicará com transparência os necessários ajustes duros na economia. Porá, enfim, os temas ambientais no topo da pauta. E não recuará mais na ampliação dos direitos civis.

Mas, para se realizar ao menos uma partezinha da fantasia, o PT precisa acordar. Hoje.


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