Folha de S. Paulo


Quem cuida da sua depressão?

Na semana passada, o jornalista e escritor americano Andrew Solomon lançou em Portugal a versão para aquele país do seu livro clássico livro "O Demônio do Meio Dia - Uma Anatomia da Depressão" (aqui editado pela Cia. das Letras, lá pela editora Quetzal e batizado de "O Demónio da Depressão - Um Atlas da Doença").

A obra já circula entre nós há anos, obteve diversos prêmios e prestígio no mundo inteiro por se tratar de uma das mais completas e detalhadas abordagens a respeito do "mal do século" e por ter tornado um tema de conhecimento restrito a especialistas em assunto de discussões abertas e esclarecedoras.

Com o livro de Solomon, a depressão "saiu do armário", perdeu boa parte do manto do preconceito e da estigmatização e hoje protagoniza páginas e páginas de jornais, revistas e sites —aqui mesmo já foi citada, discutida e esmiuçada várias vezes.

Como faz sempre que pode, Solomon aproveitou a passagem por Portugal para amplificar ainda mais as possibilidades de conhecimento sobre esta doença que afeta algo em torno de 400 milhões de pessoas no mundo todo.

Desta vez ele dedicou especial atenção aos elementos-chave no universo da depressão, ou seja, aos responsáveis pelo tratamento dos deprimidos —médicos e terapeutas—, chegando a responsabilizá-los pelo fato de em muitos casos a doença ser persistente e até mesmo agravada.

Veja o que Solomon disse a este respeito à jornalista Joana Emidio Marques, do portal noticioso "Observador":

"Seja exigente com os médicos que escolhe. Se você acha que é mais inteligente do que o seu terapeuta, é provável que você tenha razão. Acima de tudo, rejeite terapeutas que:

- Fazem-no se sentir humilhado.

- Agem como se soubessem mais sobre a sua vida do que você mesmo. A função de um terapeuta não é dar lições de moral.

- Querem obrigá-lo a ser 'normal' e vendem um modelo de vida do tipo 'você tem é que casar e ter filhos'.

- Não lhe provocam empatia.

- Rejeitam tratamentos conjugados com medicamentos e/ou eletrochoques (este tipo de terapia está sendo reabilitada e não é como se vê nos filmes, sendo particularmente indicada nas depressões com tentativas de suicídio).

- Não o ajudam a reequilibrar os seus mecanismos psicossociais e/ou não lhe dão medicação adequada.

- Não o acompanham na retirada progressiva dos medicamentos.

Interessante notar que, passados 15 anos da primeira publicação do livro de Solomon, alcança-se hoje um ponto de inflexão em que não mais se procura apenas propagar os efeitos da doença, informar as possibilidades de tratamento, exaltar a importância do apoio familiar ou combater os preconceitos.

Felizmente as coisas amadureceram até o ponto de já se poder até discutir saudavelmente a performance de quem deve estar aparelhado para ajudar os portadores da depressão a enfrentarem seus fantasmas e a livrarem-se do limbo no qual geralmente patinam.

*

De alguma maneira teve a ver com depressão o episódio político-policial da semana, que foi a detenção e condução coercitiva do ex-presidente Lula pela Polícia Federal.

Deprimente ver um ex-presidente tão emblemático para a história do país envolvido em tantas suspeitas.

Deprimente a espetacularização e o constrangimento a que ele foi submetido, circo tão desnecessário quanto questionável do ponto de vista jurídico.

Um pedido aos que o absolvem com unhas e dentes e aos que o condenam com ódio inaudito: que tal esperar ele ser julgado?


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