Folha de S. Paulo


Mulheres que dormem com o inimigo

Mesmo que tenha esfriado um pouco, o tema "mulheres" continua pipocando nas redes sociais e mesmo na grande imprensa. É uma pena que ainda tenhamos que falar de equiparação de direitos, dificuldades no mercado de trabalho, assédio, estupros; afinal estamos em 2015, como disse o novo primeiro-ministro canadense sobre o fato de ter montado seu ministério dividido igualitariamente entre homens e mulheres (leia aqui).

Mas ainda há um enfoque que merece atenção, que é o papel do homem na carreira profissional das mulheres. Não o chefe que privilegia machos destinando-lhes os melhores postos, nem os colegas que sacaneiam as moças empoderadas, tampouco os patrões que se irritam com aquelas que ainda "teimam" em engravidar.

Não, é pior: precisamos atentar para o marido, o companheiro como elemento dificultador do processo de emancipação da mulher (ou do processo de "tornar-se mulher", como disse há décadas Simone de Beauvoir, e algumas bestas-quadradas nacionais não entenderam até hoje).

Já faz uma semana que está na minha cabeça a bela história, veiculada nesta Folha, daquela moça, moradora da favela da Maré, no Rio, que depois de anos de esforços conseguiu entrar numa faculdade pública. Entre os obstáculos que enfrentou, a pobreza, o fato de morar numa favela, de ter 38 anos de idade, quatro filhas e, principalmente, um marido machão que não queria de jeito nenhum que ela estudasse: exigia, com ameaças e chiliques, que ela continuasse sendo o modelo padrão de patroa que lava, passa, cozinha e cuida dos filhos, não mais.

Resumo da ópera, o cara levou um pé na bunda, a moça se virou sozinha, permaneceu no cursinho gratuito mantido por uma ONG em sua comunidade e depois de três anos estudando conseguiu entrar na faculdade de Letras da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (veja a história completa aqui).

A história da moça, Patrícia Martinez França, é linda. Mas infelizmente trata-se de uma exceção.

Uma exceção para um quadro genérico de submissão da mulher à perspectiva masculina que, infelizmente, não é uma exclusividade nossa, não; desconhece fronteiras e condições econômicas.

Veja como a coisa rola nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta. Uma extensa reportagem do jornal espanhol "El País", publicada esta semana, trazia um dado extremamente interessante: pesquisa realizada com 25 mil ex-alunos da exclusiva Harvard Business School revelava que não são os filhos que impedem, ou atrapalham, a evolução plena da carreira profissional das moças, mas sim os maridos.

Como muitos sabem, esta escola de elite americana gera profissionais para assumir posições de liderança no mercado de trabalho, mas as mulheres, de acordo com o estudo, sentem-se muito mais insatisfeitas nos postos que alcançam do que os homens. Sobretudo por causa da pressão que dizem sentir, quando casadas, para abrir mão de chances e oportunidades que levariam naturalmente à sua evolução profissional, rendendo-se às necessidades da carreira do marido, sempre prioritária. Como se seu lugar fosse sempre o segundo, com o parceiro em primeiro...

Embora a sociedade como um todo deva ser responsabilizada por esta situação, de vez que o mercado de trabalho reflete nada mais do que a maioria das pessoas pensam e fazem, é em casa, ali do lado da cama de casal, que se encontra se não o mais importante ao menos o primeiro obstáculo a ser transposto pela mulher que se pretende moderna.


Endereço da página:

Links no texto: