Folha de S. Paulo


Depressão, família, bipolaridade

Você que se interessa por esses temas –os chamados transtornos afetivos, sobretudo a depressão e a bipolaridade, com suas inevitáveis imbricações familiares–, não perca o simpático filme "Sentimentos que Curam", em cartaz por aí.

Trata-se de uma produção independente, dirigida por Maya Forbes, mas que traz duas estrelas de grandeza relativa de Hollywood, Mark Rufallo e a graça da Zoe Saldanha, mais, completando o centro da trama, as duas filhas do casal, vividas por ótimas atrizes infantis Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide.

É um filme "fofo", e pode incomodar bastante justamente por conta disso, como também por ir e vir entre a comédia romântica e o drama leve, mas tudo pode e deve ser relevado em nome da verdadeira lição que ele oferece sobre um tema tão atual quanto frequente, que é o impacto causado por um problema psicológico grave –no caso, a bipolaridade do pai– no conjunto familiar.

Bipolaridade ou transtorno bipolar: doença mental caracterizada por alterações do temperamento e do comportamento de seus portadores, que alternam, às vezes com muita rapidez, períodos de excitação e euforia com outros de depressão e desânimo.

Basicamente, o enredo é o seguinte: nos anos 1970, jovem casal com duas filhas sobrevive bem ou mal com os esforços da mãe em manter a união familiar apesar das maluquices do pai, diagnosticado com o que na época se chamava psicose maníaco-depressiva.

A montanha russa de emoções a que o personagem masculino submete as meninas e a mãe com suas "excentricidades", até então praticamente justificadas, porque naquela época todo mundo era meio maluco mesmo, vai se agravando cada vez mais e chega ao ápice quando a mãe resolve se mudar de cidade para avança na carreira e tirar todos da lama financeira em que se encontram. Ao pai –herdeiro de família rica que não lhe franqueia o acesso à grana justamente por causa de sua instabilidade emocional– caberá cuidar das crianças.

O que se segue é uma avalanche de situações em que são expostas de maneira quase didática a exaustão que é conviver com uma pessoa cujas emoções, cujo humor e disponibilidade para a vida e para os outros mudam como num passe de mágica.

É de tirar o fôlego.

Adorável, mas insuportável, carinhoso, mas agressivo, dedicado, mas falastrão, otimista, desastrado, inconsequente: o descontrole de Cameron (o pai) vai se desenrolando como um novelo que rapidamente volta a enrolar, alinhavando a todos na sua tempestade de desejos, frustrações, irritabilidade extrema, alcoolismo, lítio, desejo e culpa.

Ele flutua como que num inferno pessoal, customizado com suas manias de acumulação e seus parâmetros destrambelhados, na maior parte do tempo sem se dar conta disso e sem perceber que está, isto sim, infernizando e envergonhando os que com ele têm de conviver.

Alguém já viu esta história em casa, no trabalho ou na escola, num parente, num amigo, num conhecido, daqueles que nunca conseguem perceber o limite entre a genialidade e a completa imbecilidade, entre a normalidade e o ridículo, o brilhantismo e a arrogância? É bem provável que sim, já que, em maior ou menor escala, o transtorno bipolar atinge hoje alguma coisa como 30 milhões de pessoas no planeta.

Tendo ou não tido contato com a doença, vale a pena dar uma olhada no filme para entender um pouco mais o drama que é conviver com pessoas que, como já se disse por aí, parecem ter uma fogueira sob os pés e cuja mente é tão inquieta que exaure quem ousar tentar acompanhá-los, compreendê-los, amá-los.

Ok, o filme poderá considerado bobinho por muitos, principalmente na moral da história, que é do tipo "só o amor salva", mas está valendo, sobretudo nestes tempos em que a instabilidade emocional está mais para regra do que para exceção na nossa sociedade.


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