Folha de S. Paulo


Ódio 'cristão'

Um amigo chegado à galhofa sempre repete: não dá para esperar muito de pessoas que seguem uma religião cujo principal símbolo é um instrumento de tortura.

Sim, a cruz é um instrumento de tortura, utilizada a torto e direito pelos romanos, mas que permitiu que o martírio de Jesus se transformasse, para todos os que creem no Cristo, em exemplo de abnegação, humildade, perdão.

Exatamente tudo o que não se vê no comportamento dos ditos seguidores do Senhor, que não têm poupado palavras e ações para manifestar seu ódio a quem não pensa exatamente igual a eles. Do ponto de vista cristão, isso totalmente é anticristão, mas...

Sob a alegação de que defendem valores religiosos (no caso, a cruz e sua simbologia), agridem, ofendem, injuriam. Para impor suas vontades hegemônicas de "eu estou certo e o resto é coisa do diabo", ameaçam, tumultuam, censuram e caluniam.

Talvez nunca tantos tenham falado tanta besteira com tanta repercussão, e, nesse rol de obscurantismo, os ditos cristãos que não passam de fanáticos destacam-se com estratégia e ação política.

Seria patético se não fosse perigoso, já que estão em todo canto –mídia, Congresso, governos– e com muito poder nas mãos. Seria muita paranoia achar que não está longe o dia em que um deles chegará à presidência do Brasil, e daí sim estaríamos todos relegados a trevas de fazer inveja ao Estado Islâmico? Creio que não.

Mas, se temos a tecnologia a amplificar o discurso do ódio, não podemos abdicar deste mesmo predicado, ou seja, a capacidade de ampliar e disseminar ideias que as mídias sociais nos fornecem, para argumentar, ponderar, resistir, boicotando-os ou combatendo-os.

Antes que seja tarde demais.

*

Sem nenhuma falsa modéstia, fiquei muito feliz ao ler declarações do grande Umberto Eco estes dias. Na coluna da semana passada eu disse o seguinte, referindo-me aos imbecis que pululam por aí pela internet: "...são aqueles tontos que, em outros tempos, ficavam falando para as paredes nas festas, nos bares ou nas reuniões familiares, porque ninguém dava trela às suas sandices. Hoje eles conseguem ter ouvintes, quando não seguidores, graças à tecnologia."

Ao receber mais um título honorífico numa universidade italiana, o autor de "Apocalípticos e Integrados" e "O Nome da Rosa" disse o seguinte:

"O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade. Os idiotas da aldeia falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Normalmente, eles eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra do que um Prêmio Nobel."

#tamojuntos!


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