Folha de S. Paulo


Vou boicotar!

Oi, pessoal que esbraveja pedindo boicote à marca de cosméticos porque a campanha publicitária ofendeu seus sentimentos limítrofes: ok, vocês me convenceram, eu também vou boicotar.

Num certo sentido já venho fazendo isso aqui e ali, mas agora vou radicalizar.

Vou boicotar todo tipo de boçalidade que aparecer na minha frente.

Chega de tolerância, chega de apoio à "diversidade": você que é preconceituoso, homofóbico, fascista, sexista, ganancioso, racista, bye bye!

Mas eu não vou usar o mesmo estratagema de quem enxerga perigo num beijo ou teme a manifestação de afeto, não, não vou ligar pro Conar, nem fazer movimento por adesões: meu boicote será solitário, sereno, mas verdadeiro.

Como está cada vez mais claro que contra certezas ignorantes não há argumentos ponderados que funcionem, não vou perder tempo parlamentando, na linha: é contra o cigarro, não fume; é contra o aborto, não aborte; é contra o álcool, não beba; não gosta de gays, não vá à Parada na Paulista.

Não adianta, eles, quando escutam, não ouvem...

Esse "eles" a que me refiro são aquelas pessoas que perderam os escrúpulos de falar besteiras, propagar mentiras, multiplicar leviandades; são aqueles tontos que, em outros tempos, ficavam falando para as paredes nas festas, nos bares ou nas reuniões familiares, porque ninguém dava trela às suas sandices.

Hoje eles conseguem ter ouvintes, quando não seguidores, graças à tecnologia, e consideram "cool", por exemplo, chamar de "porco escroto" um artista gordo porque ele manifesta sua preferência política sem problemas.

Eles são o problema.

Portanto, sai pra lá, boicote tecnológico neles!

E vou enfiar no mesmo saco, veja bem, todos aqueles que comem democracia e arrotam ditadura, os que querem mais ter do que ser, os que se julgam com direito a tudo e consideram que o mínimo que se compartilha com os mais necessitados são "regalias inaceitáveis", os que preferem acusar do que entender, aqueles que acham melhor berrar do que ouvir.

Da mesma forma como vou boicotar marcas também, viu homofóbicos? Mas boicotar as marcas que justamente promovem o sexismo e a coisificação dos sentimentos e das pessoas, as que exploram a ignorância e a ingenuidade, se aliam à ganância e ao desespero cumulativo, as que não têm limites para sua soberba e sua hegemonia.

Assim será, a partir de hoje, meu boicote: sem slogan e sem bandeira, apenas empunhando o mais profundo e assertivo desprezo.

E se você não concorda comigo, faz um favor? Boicota...


Endereço da página: