Folha de S. Paulo


Natal sem crianças

Este ano estava disposto a escrever uma crônica de Natal tipo bacana. Assim, pra cima, celebrando a fraternidade, o amor ao próximo, a vida, enfim, deixando de lado o escandaloso fervor comercial que a data propicia e que sempre execrei, para somente exaltar a proximidade, o afeto e a celebração entre as pessoas.

Mas não vai dar.

Não vai dar para falar deste Natal sem lembrar das três crianças –todas na faixa dos dois anos, ou seja, a mesma idade do meu neto– que morreram porque foram esquecidas ou deixadas dentro de carros. Duas delas pelos próprio genitores, a outra por uma "cuidadora" que segundo a polícia abandonou a criança trancada no auto para ir fazer as unhas –um horror.

Não consigo imaginar dor maior, desespero mais lancinante do que ser o causador da morte do próprio filho. Impossível imaginar como alguém pode simplesmente esquecer da existência e da presença do filho, inconcebível.

Mas o fato é que a vida dessas pessoas está desgraçada para sempre.

Imagine como será seu Natal...

Longe, muito longe de nós, e em locais onde nem sequer se comemora o Natal, há mais motivo de tristeza envolvendo crianças.

Refiro-me primeiro aos mais de 130 guris assassinados cruelmente pelo talibã em Peshawar, no Paquistão. Como ousam estes facínoras afirmarem que estão agindo em nome de Alá? Uma heresia e uma ofensa inominável, assim como seus crimes hediondos.

Por último, não há como deixar de sofrer pela tragédia que se abateu sobre a África Ocidental por conta da epidemia de Ebola que afetou drasticamente países já miseráveis como Serra Leoa, Libéria e Guiné.

Tema muito pouco explorado pela mídia, estima-se que possa chegar a 25 mil o número de crianças abandonadas à própria sorte nos países atingidos porque os pais morreram da doença. Parentes próximos ou morreram também ou não as querem por perto de jeito nenhum, com medo de que elas possam ser portadoras do vírus e transmitir-lhes a doença.

É isto mesmo, 25 mil enjeitados que dificilmente um dia poderão entender minimamente a simbologia do Natal, que a nós é tão cara.

Por isso, desculpe, mas este ano não tem mensagem de Natal...


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