Folha de S. Paulo


Suicídio, a morte como 'solução'

Por que razão o ator Robin Williams se matou?

Ele era tão engraçado, famoso, rico, teve papéis fantásticos no cinema, era amado por tanta gente...

Por que uma pessoa assim põe fim à própria vida?

De maneira muito simplista e açodada, as primeiras notícias sobre a morte do ator de 63 anos traziam a "resposta" e atribuíam o seu chamado "ato insano" ao consumo excessivo de álcool.

Depois à dependência de drogas.

Depois a ambos.

Só então começaram a atentar para o que disse a agente do ator, na nota oficial sobre seu falecimento, relatando que ele estava "severamente deprimido".

Foi quando todos começaram a "unir as pontas": depressão, álcool, drogas, suicídio.

Pensei muito sobre esta questão a partir da seguinte dúvida: beber até morrer -ainda que isso dure meses ou anos- é uma atitude suicida?

E cheirar quilos de cocaína e ter uma overdose fatal, é suicídio também?

Os dois aditivos e a entrega a eles seriam a causa da morte?

Sim, claro, mas não a origem do problema que leva ao desespero final.

A esta conclusão eu cheguei conversando com uma das maiores autoridades mundiais sobre o tema, o dr. Gustavo Turecki, da prestigiadíssima McGill University, de Toronto, Canadá.

Argentino de nascimento, Turecki se formou e se especializou no Brasil, na Unifesp - Universidade Federal de São Paulo, estudando com um dos nossos mais importantes psiquiatras pesquisadores, o professor Jair Mari, minha fonte recorrente e com quem eu já havia falado sobre a correlação álcool-drogas-depressão-suicídio.

"O que pode acontecer é que o álcool e cocaína aliviam a depressão no início, depois o indivíduo fica mais vulnerável a escalar o uso de álcool e cocaína, aprofundando a depressão. As drogas portanto aumentam o risco de suicídio", me disse Mari, completando: "A melhor pessoa que pode falar sobre isso é o Turecki."

Não é para menos: nos últimos 20 anos, depois que deixou São Paulo e foi para o Canadá, o pesquisador tornou-se professor de Psiquiatria e Genética Humana e hoje é o diretor do Grupo de Estudos do Suicídio do Departamento de Psiquiatria da McGill. Onde atua ainda como vice-chefe do Departamento de Pesquisas e líder do Programa sobre Depressão.

De cara, o dr. Turecki traz uma informação impactante e dolorosa: 60 a 70% dos casos de suicídio registrados no mundo ocidental ocorrem com pessoas que tinham diagnóstico de depressão ao menos nos seus seis últimos meses de vida. Se você atentar para o fato de que 5% da população tem este diagnóstico, terá, então, uma visão bem esclarecedora do problema.

Claro, alerta Turecki, que deve-se ponderar as proporções, porque nem todo mundo que tem depressão vai às vias de fato. E revela os números do Canadá: os suicídios registrados ocorrem naquele país na proporção de 10 a 15 para cada 100 mil habitantes. Pouco, felizmente, mesmo comparando com a população deprimida.

Estas conclusões de Turecki são extraídas de anos de estudos desenvolvidos na McGill. Nos quais foram exaustivamente aplicadas técnicas e métodos da chamada "autópsia psicológica". Que consiste basicamente no seguinte: pesquisadores se debruçam sobre casos de suicídios para reconstituir minuciosamente o perfil psicológico da pessoas, reconstruindo da melhor maneira possível sua vida nos últimos 6 a 12 meses.

"É aí que confirmamos a prevalência de depressão em 60 a 70% dos casos."

Mas a coisa não surge tão simples assim, porque antes o Dr. Turecki já havia feito questão de frisar, mais de uma vez, que o suicídio "é um fenômeno complexo, derivado de muitos fatores", dividindo-os em dois grupos.

"O primeiro grupo é o da predisposição a fatores de risco. Como o histórico familiar (alguém da família já havia se matado? Isso ocorre em até 20% dos casos), se a pessoa tinha uma personalidade, um temperamento impulsivo e agressivo, sobretudo dentre os jovens, se era homem ou mulher (são quatro casos de homem para cada um de mulher...), se havia uso crônico de álcool ou outras substâncias, que atuam como desinibidores, aumentando a agressividade e a impulsividade. No outro grupo temos os chamados fatores precipitantes, e aqui surge como preponderante a patologia depressiva. Porque, quando a pessoa desenvolve um quadro de depressão, aparecem distorções da realidade nas quais as coisas mais banais se transformam em grandes problemas, problemas insolúveis. As ideias que surgem são sinistras".

Isto posto, o dr. Turecki é taxativo: "Quando se fala de suicídio, o diagnóstico de depressão é o mais importante a ser considerado. A depressão é basicamente condição sine qua non, sem ela não há ideias suicidas, ou seja, ela é essencial para induzir ao ato."

Mas não é o suficiente...

"É preciso levar em conta que o álcool e a cocaína, principalmente, agem como desinibidores, fazem com que a pessoa 'tire o pé do breque', que ela vá em frente na ideia de tirar própria a vida".

Como estamos falando de 60 a 70% da população suicida, é preciso complementar que os demais casos têm como fator determinante outras patologias, como esquizofrenia e estresse pós-traumático, por exemplo. E que, sempre segundo Turecki, há ainda cerca de 10% de casos em que não é possível confirmar o que motivou o ato.

Desta forma, pode-se concluir, voltando a pensar no protagonista de "Sociedade dos Poetas Mortos", "Bom Dia Vietnã" ou "Uma Babá Quase Perfeita", que o que houve ali com Robin Williams foi mesmo o caso mais clássico detectado pelo pesquisador: o quadro depressivo levando ao abuso, que leva à impulsão que ocasiona a morte.

O jornalista Andrew Solomon, um dos maiores especialistas sobre o assunto e autor do livro "O Diabo do Meio Dia", escreveu sobre este mesmo tema no site da "New Yorker" esta semana.

O título de seu artigo talvez seja muito mais revelador do que todas estas estatísticas e argumentações técnica aqui reunidas.

Seu texto chama-se:

"Suicídio, um crime da solidão".


Endereço da página: