Folha de S. Paulo


Também quero...

Longe de mim imaginarem que eu queira detonar o já quase ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa. Seria dar a cara a tapa, muitos tapas, porque com o homem é assim: amam ou odeiam, defendem apaixonadamente ou atacam com fervor, deus ou diabo na terra do sol.

Não, não vou avaliar sua curta e tumultuada trajetória, tampouco a im ou pertinência de suas ações/decisões e muito menos seu estilo bravão.

Na verdade eu iria apenas observar placidamente sua passagem ao ostracismo, que parece ser isso mesmo o que ele quer, ou diz querer, mas acontece que o ilustre magistrado decidiu fazer de sua aposentadoria um "media event", como dizem os comunicólogos; um evento de mídia, um show.

Primeiro porque decidiu se aposentar ainda na presidência do órgão máximo da Justiça brasileira, fato, senão inédito, raríssimo; nem sequer esperou voltar a ser apenas mais um ministro. Segundo porque resolveu antecipar sua saída do colegiado em pelo anos 11 anos, o que é no mínimo surpreendente. E terceiro porque fez uma peregrinação pública –junto à presidente da República, ao presidente do Senado e ao presidente da Câmara– para inquestionavelmente explicitar sua decisão. Por fim, em plenário e em audiência mais uma vez pública, disse o que disse aos seus pares: fui!

Foi, mas vai continuar ganhando o salário que hoje recebe pelas nobres funções que desempenha, sem no entanto desempenhá-las mais.

Nada contra o fato de que um ministro do Supremo tenha de ganhar bem mesmo, é a Suprema Corte, caramba.

Mas ele, assim como tantos outros funcionários públicos que desequilibram as contas previdenciárias, se aposentar com o vencimento integral, hoje na casa dos R$ 30 mil por mês –fora os adendos de praxe–, aí eu me julgo no direito de meter o bedelho.

Insisto, não é por ser ele nem pelo que ele fez, mas sim pelo fato de ele tornar esta excrescência (deixar de trabalhar e manter o salário integral) mais do que pública que me sinto no direito de proclamar, em alto e bom som: eu também quero!

Quero, mas não posso...

Eu tenho praticamente a mesma idade de Barbosa, 10 meses a menos. Trabalho desde os 14 anos, ou seja, lá se vão quatro décadas de batente. Em pelo menos 33 anos deste tempo, tive a chamada carteira assinada, um salário fixo e pagava 8% deste salário, todos os meses, para ter direito a uma aposentadoria.

Até hoje, em outras circunstâncias, continuo recolhendo o INSS para poder ter direito a um salário quando parar de trabalhar.

Digamos que por um desígnio divino eu tivesse um pouco do talento de Barbosa e chegasse a esta altura da vida ganhando os mesmos R$ 30 mil que ele recebe por mês (fora os adendos...) e como ele ficasse farto disso tudo que está aí e resolvesse dar no pé?

Me corrijam se eu estiver errado, por favor, mas se fizesse isso, iria receber por mês no máximo R$ 4.390,24, que é o teto da aposentadoria que o INSS paga a seus contribuintes.

Ou seja, se Barbosa num lampejo justiceiro devotado resolvesse aderir às massas e juntar-se à malta maltratada de que é composta a imensa maioria dos dependentes da aposentadoria da vida real, iria receber 1/6 do que vai continuar recebendo.

Na verdade, nem eu nem ele receberíamos isso tudo, porque, além de tudo, ao se aposentar antes dos 65 anos o ser humano homem ainda tem que encarar o tal do fator previdenciário, que é uma conta maluca que existe para justamente punir quem quer fugir da raia antes do tempo estabelecido pela lei: quanto antes se aposentar, menos recebe...

Mas, como sempre, ou assim como ocorreu em praticamente todas as suas intervenções jurídicas recentes, Joaquim Barbosa estimula o debate.

E neste caso aqui o debate é papo reto: se ele pode, porque eu não?

Também quero!


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